01 julho 2023

A CAVALHADA

A CAVALHADA

 



Desde miúdo, do que gosto mais das Festas da Cidade de Penafiel, é da Cavalhada, que se exibe na véspera do dia dedicado ao Corpo de Deus. Este ano de 2023, devido ao mau tempo, não se efectou no dia previsto no programa das Festas, saindo à rua no sábado seguinte, ou seja, no dia 3 de Junho.

 

 

O cortejo da mesma é organizado no Campo do Conde de Torres Novas, e percorre as Avenidas Egas Moniz, Sacadura Cabral, entrando na Praça Municipal, Rua Joaquim Cotta, Largo da Ajuda, Rua do Paço, Largo Padre Américo antigo Largo da Misericórdia, parando em frente ao município.




Quem abria o desfile eram os gigantones com os seus vestidos com cores garridas, que se moviam ao som de bombos e gaitas de foles, dando um ambiente festivo e alegre. 






Depois lá vinha a cavalhada com um grupo de cavaleiros vestidos à moda antiga, transportando uma lança encimada com uma bandeirinha de forma triangular, com uma da face de cor vermelha e a outra de cor branca (cores da bandeira da cidade) com o emblema da Junta de Freguesia de Penafiel impresso, que faziam a guarda de honra à figura da cidade que era transportada num coche por uma parelha de cavalos, juntamente com duas meninas.




A figura simbólica que representava naquele momento o Povo de Penafiel, tal como hoje, punha-se de pé, retirava o charuto da boca, se curvava reverente diante do Presidente e Vereadores municipais que se encontravam na varanda da Câmara, desenrolava o pergaminho (cartolina enrolada), que continha a saudação e com voz alta e sonante e gestos largos lia os versos que a compunha:


Por entre louca alegria

O entusiasmo, a devoção

Que a magnitude do dia

Nos vem pôr no coração,

Venho altivo e contente,

Em nome da boa gente,

Que sabiamente regeis,

Presta-vos preito

D’homenagem e respeito,

Que só se presta aos reis.


A quem sempre tem pugnado

Pelos interesses de um povo

Venho, agora de novo,

Prestar-lhes veneração.

Neste meu arrazoado

Não há palavras banais;

Há ecos bons e leais,

A verdade incontestável,

O sentimento invejável

Do nosso bom coração.


Um viva, pois, boa gente,

Aos nossos bons protectores,

Aos ilustres vereadores

Desta fiel cidade.

Curvando-nos reverentes,

Perant’estes bons senhores,

Não lhes prestamos favores;

Prestamos-lhes a homenagem

Que é uma como imagem,

O símbolo da lealdade.


O discurso terminava com uma vénia. O nosso homem saía do coche e subia a escadaria da Câmara juntamente com as duas meninas para depor nas mãos do Presidente o pergaminho que acabava de ler, e as meninas um ramo de flores. 

 



De volta, fazia uma vénia e a cavalhada retirava-se com a figura simbólica da cidade.




Nesses tempos que já lá vão a colcha de seda branca bordada a ouro que se encontra hoje no Museu Municipal, pendia da varanda da Câmara.



Durante o século XX a figura da cidade foi interpretada por várias pessoas entre elas: António Alves Pereira o célebre Dr. Cadeiras, Manuel Ferreira Quintas mais conhecido por Manuel Ceguinho, Albano Acácio Moreira, Rita -Puxa de alcunha, Adérito de Sousa Mendes e Mário Cerqueira por alcunha o Bispo, em virtude de representar tal personagem na Serragem da Velha e actualmente é desempenhada pelo nosso conterrâneo Joaquim de Sousa Oliveira também conhecido pelo Carriço.




Acontece que os versos declamados pela figura da cidade, nem sempre foram os mesmos, pois tempos houveram que os mesmos era direccionados directamente ao Presidente e Vereadores.




Assim, em 1842 e 1852, Francisco José dos Santos Paula escreveu estes versos para serem declamados pela figura da cidade à época. Os mesmos escritos que vou reproduzir com a ortografia desse tempo, rezavam assim: 

 

 

1842


Illustríssimo e Respeitável

Município

Desta Cidade

de Penafiel


António Coelho de Menezes Guimarães, era fiscal e servia de Presidente durante a ausência deste, contudo a partir de 30 de Junho de 1842, passa a ocupar mesmo o lugar de Presidente.

Ex.mo Fiscal substituindo o Presidente


Câmara, que representas,

A illustrada Penafiel,

De teu governo o baixél,

Que bem livras das tormentas!

Digno Fiscal apresentas,

Em dotes tão iminente,

Que até do teu Presidente,

Lhe confias o logar;

E bem podes descansar

Em MENESES excellente.


Ao Ex.mo Sr. Monteiro Guedes


Também, Câmara immortal,

Concorre para o teu lustre,

MONTEIRO GUEDES illustre,

Nosso amigo natural.

Louca soberba fatal

Não lhe vemos, nem vaidades;

E quando as realidades

De seus Fóros o innobrecem,

Mais do que êlles resplandecem,

Suas altas qualidades.


Ao Ex.mo Sr. Jacintho Leal de Lemos


Agora fiel resénha

Dos mais teus Membros farei;

Por LEAL começarei,

Que, seu nome desempenha.

Ha ahi quem virtudes tenha,

Mas êlle não as tem menos;

Em dar-nos dias serênos

Nós o vemos desvelado,

E por isso tão amado

É de grandes e pequenos.


Ao Ex.mo Sr. João Victorino d'Araújo


Vejamos também se affécto

Araújo nos merece

Ceos, e quem não reconhéce

Neste o seu maior dilécto!

Do povo amigo discréto

Sabe sêr sem demazia;

Nosso bem é o seu guia,

Mas sem offensa da lei,

Que d`outra sórte não sei

Como êlle amavel seria.


Ao Ex.mo Sr. António Joaquim de Carvalho


De CARVALHO esclarecido

No bélo porte não fálo,

Nem he mister nomeálo,

Por sêr de todos sabido.

He êlle ao povo querido,

O voto do povo he seu;

Não o bem-digo só eu,

Toda a comarca o bem diz,

E este cidadão feliz

Sempre attenção lhe mereceu.


Ao Ex.mo Sr. Bernardo José da Costa Guimarães


Tem em fim neste congréço

Costa Guimarães assento,

De quem alto luzimento

Com todo o mundo confésso.

A todos perdão vos peço,

Por que destes e mais Varões

Louvar não sei as áções

Bem como não sei regêr

Esta que deverá sêr

A mais béla das Funções.




1852


Illustrissimo Município



Para o Ex.mo Sr. Presidente

Sebastião Pereira de Almeida Borges


Prezidente esclarecido

Deste Município Honrado,

He seu povo affortunado

Por vos ter bem ellegido:

De virtudes revestido

A sua glória fazeis,

Se o cargo, que bens regeis,

Deveis a vossa elleição,

Ao vosso bom coração

Ainda mais o deveis:


Para o Ex.mo sr. Fiscal


Idolatrado Fiscal

Desta Câmara famoza

Da Cidade gloriosa

Acceitai fé sem igual:

Não vos impeça algum mal,

Sempre venturas tenhaes,

Pelo bem que governaes

O Céo queira proteger-vos,

Sempre em sua guarda ter-vos,

Para abrigo dos Mortaes


Para o Ex.mo Sr. Dr. Cabral


Illustre Vereador,

Do Município ornamento,

E do fôro o luzimento,

Da virtude o resplandor;

Deste povo o valedor,

Deste povo o mais feliz,

Por achar um tal Juiz,

Sendo o seu voto o melhor,

Recebei do nosso amor

As provas mais varoniz


Para o Ex.mo Sr. Ferreira


Simão Rodrigues Ferreira,

Entre os vossos companheiros,

Tendes dotes verdadeiros

D' uma probidade inteira;

Não fala vóz lizongeira,

Hé Penafiel, que fala,

Deveis, senhor, estimalla,

Que Penafiel hé boa,

E com a vossa pessoa

Em prazer toda se aballa.


Para o Ex.mo Sr. Torres


Sois, ó Torres, o escolhido

Da Nobre Penafiel,

Que tendes vós o laurel

Da virtude merecido:

Este povo o mais subido

Do coração vos adora,

Que nunca vos ponheis fora

Desta Câmara o deseja,

Que feliz sempre vos veja

E adorado como agora.


Para o Ex.mo Sr. Macedo


O suffragio popular

Hé grande couza, ó Macedo,

Do povo não tenho medo

Quem o puder alcançar.

Vós podei-vos gloriar

Deste suffragio feliz

Todo o mundo vos bem diz,

Que sois do povo querido,

Sede a Deus agradecido,

Porque Deus assim o quiz.

 

Para o Ex.mo Sr. Castro


Gonçalo de Moraes e Castro,

Sois o nosso Vereador,

E tendes o nosso amor

Tão puro como o Alabastro;

Deste povo sois o astro

Pois com vosco sympathisa,

Vós sois a sua devisa,

E se não se desviar

De certo há de alcançar

A virtude que precisa.

 


 

Por fim vinham os ranchos folclóricos e os bailes que cantavam e dançavam durante o percurso, exibindo-se em frente à Câmara. 

 


O que mais me chamava a atenção era o Baile dos Ferreiros. 

 


 

O mestre do Baile dos Ferreiros, ora passando as espadas por cima da cabeça dos seus elementos, ora por baixo dos seus pés, ao som da gaita de foles e da caixa que ia debitando notas musicais e marcando o ritmo da dança, mostrando apesar da sua idade uma destreza e uma agilidade que não era para qualquer um.


 



Outros há que gostam mais da Procissão do Corpo de Deus do que da Cavalhada e estão no seu direito, já que gostos não se discutem e cada qual tem os seus.





Mas espero que me desculpem o que vou dizer agora, mas por mais confrarias religiosas ou de comes e bebes que incorporem a procissão, por mais anjinhos transportados por um carro triunfante puxado por bois ou por um veículo mecânico, por mais figurantes que leve nos quadros bíblicos e figurões na cauda da mesma, continuo a gostar, ontem como hoje, muito mais da cavalhada.


Fernando Oliveira – Furriel de Junho