01 agosto 2022

A FUNDAÇÃO GULBENKIAN EM PENAFIEL

  

 

A FUNDAÇÃO GULBENKIAN 

 EM PENAFIEL


Quando comecei a ler corrido, a minha literatura era baseada em livros aos quadradinhos, como o Condor, O mundo de Aventuras, etc.

 


Assim os meus primeiros heróis eram saídos dessas leituras como o Kit Karson, O Búfalo Bill, O Zorro com o seu cavalo negro o Mascarilha e muitos outros, que sozinhos ajustavam contas com os fora da lei, vencendo sempre o bem contra o mal.  

 


 

Em 1958, da sede da fundação, em Lisboa, partiam as primeiras carrinhas com cerca de três mil (3.000) livros cada uma. Iniciava-se assim o Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian.

 


Acontece que em 1960, a Fundação Calouste Gulbenkian, que a nível cultural faz mais por este país que os Ministros da Cultura todos juntos, estende as bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian a todo o país.

 


 

Nas traseiras do Edifício dos Paços do Concelho de Penafiel, ás quintas-feiras de quinze em quinze dias, estacionava a carrinha da Gulbenkian, carregada de livros.

 


 

Dirigi-me ao condutor da mesma que também fazia de bibliotecário, para saber o que era preciso para requisitar livros, já que lá em casa apenas havia um velho dicionário familiar que ia passando de mão em mão e os meus livros de literatura de cordel. 

 


 

Lá me preencheu uma folha com os dados obtidos através do meu Bilhete de identidade, e no final entrega-me o papel para eu arranjar um fiador. Ora essa palavra, não fazia parte do meu curto dicionário. Ao ver-me pasmado, lá me explicou que tinha que ir a alguma firma ou até uma mercearia onde o dono da mesma colocasse o carimbo da casa e a sua assinatura. Pois caso o livro não o entregue ou viesse com folhas rasgadas o dito fiador tinha que o pagar o livro à Fundação. 

 

SR. AFONSO MENESES

De papel na mão fui a correr à mercearia do sr. Afonso Meneses, amigo do meu pai.

- O que queres meu menino!

Lá lhe expliquei tim-tim por tim-tim ao que vinha.

- E tu de quem és filho?

Quando disse o nome de meu pai a coisa mudou logo de figura.

Foi buscar uma lata em chapa onde se podia ler Bolachas Paupério – Valongo. Abriu a tampa e tirou uma almofada de tinta, onde lançou o carimbo e carimbou a folha referente à minha inscrição como futuro leitor da Gulbenkian, assinando a mesma.

Quando me passou para a mão o papel devidamente assinado e carimbado, fez-me esta advertência:

- Não me deixes ficar mal.

 


 

Depois foi entregar a ficha de inscrição ao sr. da carrinha que de imediato me deu para a mão um cartão de leitor numerado. Lá continuei a ler os meus heróis preferidos só que a gora os livros eram mais grossos, tinham mais letras e muito menos desenhos. Com a idade fui passando para outras prateleiras e os meus heróis ficaram para trás, tendo alguns até passado a anti-heróis, já que passavam a vida a matar índios que o único crime que praticaram era lutarem pelos direitos à sua terra, como ainda hoje.

 

António Guimarães - Antony

António Guimarães, num dos seus textos publicados no jornal “O Comércio do Porto” assinados por Antony, sugere à Fundação Calouste Gulbenkian a criação de uma biblioteca fixa em Penafiel. Em 22 de Janeiro de 1961, recebe como resposta que bastaria uma sala cedida pela Câmara Municipal para a Fundação Gulbenkian se fixar em Penafiel.

 

ABÍLIO MIRANDA

 

Abordada a Direcção da Biblioteca Museu Sobral Mendes, desde logo manifestou o seu interesse e não via motivo da recusa de uma sala da biblioteca para tal fim. Depois foi abordado pessoalmente o Sr. Professor Joaquim José Mendes, Vereador da Câmara de Penafiel a quem foi exposto tal assunto, pedindo a sua interferência perante a edilidade. O Presidente da Câmara de Penafiel, Dr. Francisco da Silva Mendes, faz uma reunião na própria Biblioteca Museu, tendo resolvido proceder a importantes obras nas instalações no mais curto espaço de tempo e ceder à benemérita Fundação Calouste Gulbenkian, uma sala para a Biblioteca fixa, que funcionaria das 18h ás 20h, tendo logo sido nomeado para isso um funcionário municipal.

 


 

Em 15 de Maio de 1961, a fundação Gulbenkian, informou que só era possível instalar a Biblioteca Fixa em Penafiel, depois de se fazer o reabastecimento das Bibliotecas Itinerantes, que só deveria terminar no final do mês de Agosto. 

 


 

A 17 de Junho de 1961, a sala de leitura da Biblioteca de Penafiel, foi inaugurada, sendo-lhe dado o nome de Sala Abílio Miranda. Abílio Miranda foi conduzido à sala de leitura pelo sr. Presidente de Câmara, Dr. Francisco da Silva Mendes, e pelo sr. Dr. Monterroso, amigo particular do homenageado, onde foi recebido com uma estrondosa salva de palmas.

Aí estavam muitas senhoras, autoridades da cidade, admiradores do homenageado, críticos de arte, arqueólogos e intelectuais.

O Sr. Presidente da Câmara, leu, a proposta aprovada em sessão de câmara, na qual é consignado um voto de louvor a Abílio Miranda, pelo zelo, dedicação e acendrado bairrismo, como superiormente dirige esta Biblioteca Museu.

 

Professor Joaquim José Mendes

Em nome da Comissão Organizadora da qual faziam parte: Dr.ª Maria de Fátima Vila Pouca dos Santos Cunha; Dr. Joaquim Mendes de Vasconcelos; Dr. Ângelo Pimentel; Dr. Francisco Brandão Rodrigues dos Santos; Prof. Joaquim José Mendes; Guy Alberto Poças Falcão e António Guimarães, falou o sr. Professor Joaquim José Mendes, que, em brilhante discurso se referiu a Abílio Miranda.

 

Basílio de Sousa Dias

Basílio de Sousa Dias, em nome pessoal e da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, saudou, em palavras simples, mas cheias de emoção o homenageado.

Depois foi descerrada a lápide com estes dizeres: “Sala Abílio Miranda” cerimónia a que procedeu o sr. Dr. Francisco da Silva Mendes.

 


 

O Sr. Dr. Manuel Monterroso, cumprimentou Abílio Miranda, a quem ofereceu um belo trabalho de arte, e a convite do homenageado, descerrou a fotografia de D. Manuel Pereira da Silva, Barão do Calvário, primitivo dono do edifício da Biblioteca – Museu. 

 

Barão do Calvário

É precisamente nesta Sala Abílio Miranda, que funcionava a Biblioteca Municipal, onde a 17 de Outubro de 1963, é inaugurada a Biblioteca Fixa da Fundação Calouste Gulbenkian.

Ao acto estiveram presentes além de outras individualidades, convidadas a assistir, o sr. Presidente da Câmara de Penafiel, Coronel Cipriano Fontes, Dr. António Quadros Ferro, Director Adjunto das Bibliotecas Fixas daquela Fundação, Professor Joaquim José Mendes, Presidente da Comissão Municipal da Cultura, Dr. Vito Moura de Carvalho, Subdelegado de Saúde, Dr. Aurélio Tavares, Director da Escola Industrial de Penafiel, Dr.ª Maria Elisa de Carvalho, Professor José da Rocha Nunes, Delegado Escolar, e Professor Luís Rodrigues.  

 


Usaram da palavra o sr. Presidente da Câmara, agradecendo em nome da cidade, à Fundação Calouste Gulbenkian, a oferta daquela Biblioteca fixa, que muito bem beneficiar aqueles que à leitura dedicam as suas horas de ócio, e o sr. Dr. António Quadros Ferro, agradeceu à Câmara o auxílio e colaboração por ela dispensado para que pudesse ser levado a cabo este melhoramento para Penafiel. Em seguida, expôs em pormenor o valor e a razão de ser destas Bibliotecas que muito têm contribuído para a elevação do nível cultural do nosso povo, principalmente das classes menos abastardas. A Biblioteca funcionava das 18h ás 20h todos os dias úteis, onde um funcionário, atendia todos aqueles que lá queriam ir inscrever-se ou requisitar livros.

 



Mas em 1969, a Biblioteca Fixa Calouste Gulbenkian, que funcionava na Sala Abílio Miranda, da Biblioteca-Museu Sobral Mendes, desta cidade, desapareceu, embora os seus livros fossem doados à Biblioteca Municipal.

O que é certo é que a massa popular, aquela que não tem disponibilidades financeiras nem tempo para ir à Biblioteca Municipal durante as horas de expediente, porque a essas horas ou trabalha ou estuda, se viu privada duma regalia que tantos sacrifícios e pedidos originou para que fosse criada em Penafiel.

 


Com a leitura, os meus conhecimentos foram aumentando e evoluindo, de tal forma, que os meus heróis do imaginário foram arrumados, os meus ídolos do desporto apagados, os políticos saneados através do meu detector de mentiras, e até o mundo que pintava em criança de várias cores, com os lápis Viarco dados pelo meu pai no Natal, hoje vejo que não acertei na combinação das cores, já que a caixinha dos meus lápis, não tinha a cor da fome, da guerra, da peste, da injustiça, do racismo, com que o mundo hoje se veste. 


Fernando Oliveira - Furriel de Junho