20 dezembro 2019

DA CONSOADA À MISSA DO GALO

DA CONSOADA

À MISSA DO GALO



Na tarde do dia 24 de Dezembro, a família começa a chegar e as mulheres reúnem-se na cozinha, enquanto os homens permanecem na sala.



Durante a tarde a azáfama era grande junto ao fogão, onde a doçaria começa a sair quentinha.

São as rabanadas, a aletria, os mexidos, os filhoses, os sonhos e mais um ou outro bolo.



Enquanto isso se passa junto ao lume, o meu pai lá se vai encarregando do vinho, da compra da broa, das regueifas para o Dia de Natal e de ir buscar o bolo-rei já encomendado com tempo e horas ao Sr. Pedro da mercearia com o seu nome, doçaria que só aparecia nesta quadra natalícia. 

 


Nesses tempos idos, no interior do bolo-rei vinha uma fava e um brinde. Ora acontece que enquanto todos queriam que lhe saísse o brinde, a fava ninguém a desejava, pois segundo a tradição, quem a tivesse teria que comprar o próximo bolo-rei.



Em Penafiel, apenas dois estabelecimentos vendiam esta especiaria. Era a Mercearia Pedro (na Praça Municipal), que vendia o Costa Moreira que vinha da cidade do Porto, e o Café Capri, situado na Avenida Sacadura Cabral, com a marca Paupério, confeccionado em Valongo.




Depois era a cozedura das batatas, das pencas, dos ovos, dos nabos, das cenouras e o bacalhau, que vinham para a mesa ainda a fumegar.



Por vezes, ainda estávamos a cear, já à porta um grupo de miúdos nos vinham cantar as Boas-Festas.



No espaço temporal, que compreende o Natal aos Reis, existem três tipos de cânticos, bem definidos no tempo e nos temas.



De 24 para 25 de Dezembro, são as Boas-Festas, em que se anuncia o nascimento de Jesus, vejamos:

Boas- Festas, Boas-Festas

Aqui haja neste dia

Que lhes manda o Rei do Céu

Com prazer e alegria.



Boas- Festas, Boas-Festas

Festas de muita alegria

Que nasceu o Deus Menino

Filho da Virgem Maria.



… … … … … … … … …



De 31 de Dezembro para o primeiro dia do Ano-Novo, entoam-se as Janeiras.



Por ser véspera de Ano-Novo

Vimos cantar as Janeiras

Foi nascido o Deus Menino

No jardim das Oliveiras



Vinde-nos dar as Janeiras

Se no-las houverem de dar

Nós somos de muito longe

Temos muito para andar



… … … … …. …. ….



E por fim os Reis na noite de 5 para 6 de Janeiro.



Por hoje ser dia 5

Amanhã ser dia 6

Vimos dar as Boas- Festas

E também cantar os Reis.



Aqui vimos, aqui estamos

Meus senhores bem o sabeis

Vimos dar as Boas-Festas

E também cantar os Reis.





Mas voltemos onde estávamos. Terminada a bacalhoada, dava entrada na mesa a doçaria, enquanto era feito café na chocolateira de barro, para vencer o sono.







Enquanto as mulheres lavavam a louça e os talheres utilizados, os homens jogavam o quino para fazer horas para a Missa do Galo, e os mais novos entretinham-se com o rapa, mas antes de o sono aparecer, iam colocar um sapato junto à chaminé para o Pai-Natal lhes deixar uma ou mais prendas no sapatinho.



Lá vamos bem comidos e bebidos a caminho da Igreja Matriz, onde nos sentamos num dos bancos do fundo do templo, e com os meus olhitos lá vou gravando e seguindo a missa.



Ao meu lado um homem com a voz avinhada, reza e canta em voz alta, não se apercebendo das baforadas com odores alcalinos que lança sobre os vizinhos.

O sacerdote lá vai explicando o nascimento do Salvador do Mundo, que desceu à Terra à 2019 anos, feito homem para nos salvar.

Que a expressão Missa do Galo, vem da tradição segundo a qual à meia-noite do dia 24 de Dezembro um galo cantou mais alto que qualquer outro, anunciando o nascimento do Menino Jesus.


Assim como o galo anuncia o nascer do sol e seu canto preludia o amanhecer, assim também a “Missa do Galo” comemora e canta o nascimento de Jesus, o Sol nascente que, clareando a escuridão do pecado, veio nos remir.

  Papa Xisto III  


A “Missa do Galo” foi celebrada pela primeira vez no século V pelo Papa Xisto III na então nova basílica de Santa Maria Maior



No momento em que o padre eleva o cálice da consagração, todos se ajoelham, e de cabeça baixa todos rezam tão baixinho, que apenas Deus os deve escutar. Se poucos são os que vão tomar a hóstia Sagrada, todo o mundo vai beijar o Menino, no final da Missa do Galo, a única que no mundo católica se celebra ás zero horas.


Regressado a casa, meu pai antes de recolher ao vale dos lençóis, vai sorrateiramente colocar as prendas nos sapatinhos.

De manhã toda a gente acorda com a algazarra da pequenada com as prendas nas mãos.

Isto tudo no tempo em que o meu Pai e a minha Mãe Natal, se sentavam à mesa connosco.

Mas enquanto um de nós for vivo, eles estarão sempre presentes, todos os dias do resto das nossas vidas.




A todos que por aqui passam, desejo-lhes um Santo e Feliz Natal e um Bom Ano 2020.

Fernando Oliveira – Furriel de Junho

01 dezembro 2019

MÚSICAS NOVAS EM TEMPOS VELHOS

MÚSICAS NOVAS 
EM TEMPOS VELHOS



Cresci a ouvir o Nacional Cançonetismo, canções como “ O Mar Enrola na Areia, o Arroz está crú, O Zé Aperta o Laço, ou a canção Oração que nos foi representar no Festival da Eurovisão interpretada por António Calvário e muito fado.


Nesse tempo as grandes vozes vinham da França ou da Itália e lá se ouvia Edith Piaf, Françoise Hardy, John Holiday, Charles Aznavour, Dalida, Sylvie Vartan, Gigliola Cinquetti, Jane Morandi entre outros.



Foi graças à Revista Musical Mundo da Canção de periodicidade mensal, e ao programa radiofónico “Página Um” transmitido diariamente (excepto aos domingos), na RR, e que ia para o ar ás 19,30h, que comecei a despertar para outro panorama musical, que ainda hoje aprecio.

Avelino Tavares


No mês de Dezembro de 1969, aparece nas bancas uma nova revista com o título MC ou seja as iniciais das palavras Mundo da Canção, tendo como seu fundador e editor Avelino Tavares, do Porto. 

Francisco Fanhais
A ilustrar a capa do seu primeiro número, uma foto de Francisco Fanhais, padre e cantor de intervenção política, hoje Presidente do Núcleo de Lisboa da Associação José Afonso.



Ao longo dos números da revista, vários cantores de intervenção fizeram capa como: José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Manuel Freire.

José Afonso

Desde a críticas discográficas e artigos de análise e de divulgação, os leitores tiveram a oportunidade de contactar com os mais variados autores, compositores e intérpretes da canção, tais como:


Portugueses - José Afonso, Luis Cília, Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Alegre, Manuel Freire, Fausto, Filarmónica Fraude, José Manuel Osório, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Vitorino, GAC, Pedro Barroso, Samuel, José Jorge Letria, Fernando Tordo, Carlos Mendes, Brigada Victor Jara, Almanaque, Vai de Roda, José Barata Moura, Janita, Luisa Basto, Carlos Paredes, Paulo de Carvalho, Banda do Casaco, Quarteto 1111, Trovante, Terra a Terra, Júlio Pereira, Né Ladeiras, Michel Giacometti, Fernando Lopes Graça, Rui Veloso e tantos, tantos outros da cena musical portuguesa.

Patxi Andion

De Espanha - Joan Manuel Serrat, Patxi Andion, Joaquin Diaz, Manolo Diaz, Paco Ibañez, Aguaviva, Maria Ostiz, Maria del Mar Bonet, António Portanet, Pi de La Serra, Amancio Prada, Fuxan os Ventos, Pablo Quintana e outros de expressão hispânica.

Joan Manuel Serrat

Do outro lado do mar - Daniel Viglietti, Carlos Puebla, Mercedes Sosa, Astor Piazzolla, Chico Buarque, Milton Nascimento, Sílvio Rodriguez, Pablo Milanès, Violeta Parra, Soledad Bravo, Atahualpa Yupanqui, Gal Costa, Gilberto Gil, Jorge Ben, Elis Regina, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Nara Leão, Zélia Barbosa, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Ivan Lins, Maria Creuza e Vinicius de Moraes, entre muitos outros da área de expressão latino-americana.



De França - Jean Ferrat, Boris Vian, Juliette Grecco, Serge Reggiani, Georges Brassens, Jacques Brel, Claude Nougaro, Georges Moustaki, Léo Ferré, Colette Magny e Catherine Ribeiro, entre outros grandes nomes da “chanson” e da música francesa.




Na vasta área de expressão anglo-americana - Beatles, Rolling Stones, Elvis Presley, Bee Gees, Donovan, Bob Dylan, Pete Seeger, Woody Guthrie, Joan Baez, Phil Ochs, Doors, Leonard Cohen, Melanie, Simon & Garfunkel, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jethro Tull, Van Der Graaf Generator, Gentle Giant, Yes, Genesis, Tom Paxton, Judy Collins, Eric Clapton, Elton John, Pink Floyd, Carole King, James Taylor, Cat Stevens, Fairport Convention, Procol Harum, Van Morrison, Dire Straits, Lou Reed, Joy Division, King Crimson, John Lennon e Steppenwolf, entre muitos mais.



Como era um revista que se dedicava à música, o Mundo da Canção nunca se tinha submetido a qualquer tipo de censura ou exame prévio. Mas como não há bem que sempre dure, em 1973 teve a sua edição N.º 34 apreendida, nas oficinas da Tipografia Aliança Lda., pela PIDE/DGS. 


A partir daquela altura, e até ao 25 de Abril de 1974, cada edição era submetida ao exame prévio, com os respectivos cortes da censura ao Mundo da Canção.



O número em questão, do início de 1973, trazia na capa cinco álbuns de música portuguesa recentemente editados: Até ao Pescoço, de José Jorge Letria, Margem de Certa Maneira, de José Mário Branco, Eu Vou Ser Como a Toupeira, de José Afonso, Palavras Ditas, do declamador Mário Viegas, e Fala do Homem Nascido, com poemas de António Gedeão, música de José Niza e interpretações de Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha. 

 
Um dos pides, que transportava as caixas com a revista em causa para a carrinha, pediu ajuda ao Avelino Tavares editor da mesma.



Ao início disse-lhe que não colaborava, mas depois lá resolveu ajudar, mas só levava os exemplares até uma mesa. Eles é que transportavam as caixas para a rua. E, enquanto iam lá fora, ele aproveitava para pôr uns quantos exemplares na zona do papel velho e das aparas, por baixo de umas escadas.



Isto só foi possível porque os pides saíam os dois ao mesmo tempo. De modo que ainda conseguiu salvar muitos exemplares. Os exemplares deste nº 34 que Avelino Tavares conseguiu salvar tiveram de ficar escondidos durante mais de um ano. “Quando veio o 25 de Abril, foi colocado à venda com uma cinta que dizia o seguinte:



Este número do MC viajou directamente da tipografia para os armazéns da Ex – Pide / DGS, e aí passou 13 longos meses! Voltou a encontrar a sua liberdade depois do 25 de Abril”...




Auto de fé da PIDE onde se encontram exemplares do Mundo da Canção.

O Mundo da Canção faz parte do meu património afectivo e cultural que preservo todos os números da revista na estante das minhas velharias sem preço.




Todo o espólio do Mundo da Canção, foi doado à Biblioteca e Arquivo Ephemera pertencente a José Pacheco Pereira, por Avelino Tavares. 




Como neste mês de Dezembro de 2019, faz 50 anos que apareceu nas bancas o MC, não podia deixar de lembrar esta revista musical, que a minha geração teve a sorte de conhecer e ler. 

Paulo de Carvalho
Se a nível de cultura musical esta revista teve a sua importância para a minha pessoa, o programa radiofónico da Rádio Renascença, Página 1”, que se iniciou a 1 de Janeiro de 1968 e acabou na primavera de 1975, apurou-me o ouvido.



Na altura que o comecei a escutar diariamente era seu locutor José Manuel Nunes, Adelino Gomes nas reportagens, e a parte técnica estava a cargo de José Manuel Moreno Pinto.


Foram os Pop Five que entregaram a versão feita apenas de bateria e baixo, do "Page One" que servia de indicativo do programa Página 1.



Os discos chegavam em 1ª mão ao Página 1 essencialmente devido à colaboração de Fernando Tenente, um entusiasta musical que vivia no Porto e trabalhava na Marconi. Além disso, como o programa era muito popular (não havia TV e a Rádio de final de tarde era muito ouvida), as editoras discográficas privilegiavam o programa.

Muita música de expressão anglo-saxónica e uma selecção de temas rotularíamos hoje de “world music”. 

Além disso, a música portuguesa de qualidade estava sempre muito presente. Foi o Página 1 quem lançou, por exemplo, Sérgio Godinho, José Mário Branco estes dois emigrados em França e Fausto.

Uma das canções que passava frequentemente vinda da vizinha Espanha era:




La juventud tiene razón de Manolo Diaz
Manolo Diaz

O Programa Página 1, recebeu um prémio de rádio pela Casa da Imprensa em 1971. A título excepcional, a mesma Casa da Imprensa atribuiu o prémio de Reportagem Radiofónica a Adelino Gomes em 1972. A cerimónia de entrega do prémio decorreu em espectáculo promovido no Coliseu dos Recreios apenas a 30 de Março de 1974.

Adelino Gomes


Segundo o relatório da Polícia de Segurança Pública de Lisboa, a sala estava superlotada, predominando a juventude e elementos conhecidos do MDP/CDE (Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral) .



Na ocasião, o jornalista Adelino Gomes, disse:

“tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito algumas coisas e por pretender dizer muitas outras coisas que vocês deviam saber”.



Não sei por quê nem porque não, tudo isto desapareceu, dando lugar ao pimbalismo nacional, que passa tanto nas rádios e invadiu as televisões, em que o cantor geralmente faz-se acompanhar de um par de bailarinas que saracoteiam as ancas e agitam os braços, enquanto os jovens abanam o “capacete”, e repetem “Nós Pimba! Nós Pimba!”.



Pensando cá com os meus botões, talvez estas canções estejam mais condizentes com o país real.



Se tempos houveram que tínhamos músicas novas em tempos velhos, hoje temos músicas velhas em tempos novos.


Fernando Oliveira – Furriel de Junho