21 agosto 2019

O FERREIRO MANUEL ARRISCADO

O FERREIRO
MANUEL ARRISCADO



Em tempos que já lá vão, na cidade e concelho de Penafiel, havia muitos artífices que trabalhavam o ferro.

O grande fole de cabedal ligado à forja para avivar o lume onde crepitava o carvão vegetal, que servia para aquecer o ferro até este ficar em brasa, que depois era trabalhado na bigorna ou no torno pelo ferreiro.

A música do martelo sobre a bigorna, marcava o ritmo do trabalho.



Quem percorre as ruas da cidade de Penafiel, pode admirar as formas e os feitios das varandas e portões em ferro do velho casario.


Ainda hoje aparece no dia do Corpo de Deus, o Baile dos Ferreiros, com a sua dança de espadas, embora esta arte esteja em vias de extinção.

Mas agora vou contar uma história que acabei de ler, tendo como protagonista principal o ferreiro Manuel Arriscado.



Vivia no antigo Largo de S. Bartolomeu, hoje Av. Zeferino de Oliveira, e quando alguém lhe pedia algo relacionado com a sua identidade, ele respondia mais ou menos assim: Manuel Arriscado, bufão e malcriado, morador na porta mais larga de S. Bartolomeu, em Penafiel.

Era um homem muito bem disposto, tendo sempre uma graça para dizer, ou uma anedota para contar e fazia-o em qualquer parte, perante um auditório que o escutava com ansiedade, composto de pessoas que o estimavam e que viam nele um espírito folgazão cheio de optimismo.

Claro que o amigo Arriscado, não era bufão, nem malcriado, somente procurando, dentro do seu espírito folgazão, gracejar com as pessoas que o abordavam puxando a brasa para a sua sardinha como é costume dizer-se.



Um dos seus clientes que volta e meia acedia aos seus serviços era o Dr. Carlos Santos juiz da Comarca de Penafiel.

Manuel Arriscado fazia as reparações no seu carro de cavalos, que o mesmo utilizava para se deslocar.



Sucedeu que a determinada altura, o ferreiro Arriscado cometeu qualquer transgressão, e teve que responder no Tribunal Judicial e, julgado pelo referido juiz Costa Santos, acabando por ter que pagar uma multa de certa importância. 

 

Como é natural, pagou como pôde, nada dizendo ao juiz que continuava a passar à sua porta no carro puxado a cavalos, e a cumprimentá-lo como sempre fazia:

-Adeus, ó Manuel, como vai o negócio?


Ora acontece que um dia o carro do Dr. Juiz Costa Santos. Avariou e o Manuel Arriscado, ferreiro foi chamado para a necessária reparação já que conhecia como ninguém o veículo de Sua Excelência que ansiava pelo trem para seguir para sua casa.

Mestre Arriscado trabalhou com afinco, e pronto o veículo, o Juiz perguntou-lhe:

  • Quanto devo, ao Mestre, pelo conserto?



Manuel Arriscado olhou de cima a baixo o Doutor Juiz, e sem pestaneja pediu certa importância, à qual o Juiz ripostou:- Não será caro, Manuel?
  •  - Desculpe, senhor Doutor, mas é para pagar a multa em que Vossa Excelência me condenou!

O juiz riu-se e, bom homem como era, pagou e foi-se embora a comentar o caso à sua maneira. Não há dúvida que o Manuel ferreiro resolveu o seu problema do pagamento da multa, embora para o juiz não passa-se de um oportunista.

O Ferreiro, Manuel Arriscado, modesto como era a sua profissão, na cidade todos o tinham por homem honrado e estimado, e por boa pessoa, embora não fosse frequentador das igrejas, cuja memória resolvi trazer ao blogue.


Hoje já são em número reduzido os ferreiros existentes, que lá vão dando a custo as suas marteladas, afiando a ferramenta, que já gasta não consegue dar conta do recado.


No entanto há ferramenta, que por mais tempera que se lhes dê, já não se consegue afiar, limitando-se a ter direito a um espírito jovem, quanto mais não seja para não perder a ideia de aguçar a mente.

É a vida!

Fernando Oliveira - Furriel de Junho