12 julho 2018

ASSOCIAÇÃO FÚNEBRE FAMILIAR PENAFIDELENSE DE SOCORROS MÚTUOS

FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

FÚNEBRE FAMILIAR 
PENAFIDELENSE

DE SOCORROS MÚTUOS 



No dia 6 de Outubro de 1907, a Banda de Música do Albaninho, percorreu de manhã todas as ruas da cidade de Penafiel, a incitar os penafidelenses a comparecerem ás 16,30 h, na sede da Associação Artística, situada na Rua do Paço, para se inscreverem como sócios e dar o seu apoio à fundação da Associação Fúnebre Familiar Penafidelense de Socorros Mútuos.

No estrado estava a Comissão Iniciadora constituída pelos senhores: Gregório Nogueira Soares, Manuel José Ferreira, Victorino Henrique da Silva e António de Souza Reis. Igualmente estava o Administrador do Concelho, o Pároco da cidade e individualidades de grande destaque do meio penafidelense.

Abriu a sessão o membro da Comissão Iniciadora sr. António de Souza Reis, que num longo discurso demonstrou as grandes vantagens que o operário penafidelense ia auferir com a fundação desta Associação, solicitando que era vergonhoso a maneira como eram feitos os funerais dos indivíduos da classe proletariada.

Terminou por propor para presidir o sr. professor Belmiro Nogueira Xavier (Inspector Primário aposentado), cujo nome foi muito aclamado.

Tomando o respectivo lugar, principiou por agradecer tal homenagem, e num desenvolvido discurso, mostrou o quanto era necessário uma associação como a que se iria fundar.

Orgulhava-se que dentro da florescente Associação Artística se assentavam as bases para outra, incutiu no animo da grande assistência a inscreverem-se como sócios, que era a sua providência no futuro.

A seguir propôs para secretariar os srs. Miranda Veiga (proprietário do jornal “Comércio de Penafiel”), e Francisco de Queirós (dono de Casa de Pasto).

Fizeram depois uso da palavra, Maravilhas Pereira, José António Soares de Aguiar e José Francisco de Queiroz, propagandistas do mutualismos, incitando os operários penafidelenses a levarem avante a fundação desta associação, que lhes prestará valiosos benefícios para o futuro. Os oradores foram muito aplaudidos. No átrio no fim de cada discurso, a Banda de Música tocava trechos do seu belo reportório.

A inscrição de sócios fundadores, atingiu o número de 316.

No final foi eleita a Comissão Administrativa que ficou assim constituída:

Efectivos

Presidente - Joaquim da C. Tomé
Vice-Presidente – Manuel José Ferreira
Tesoureiro – António José de Freitas Guimarães
Secretários – Augusto Joaquim da Silva Mendes e António de Souza Reis.

Suplentes – Gregório Nogueira Soares, António Fortunato da Silva e Victorino Henriques da Silva.

Depois da criação da Associação Artística e Fúnebre Penafidelense, e com o decorrer dos anos, muitos penafidelenses se dedicavam de alma e coração ao problema do mutualismo, mas haviam dois que se destacavam tal eram as suas entregas ás causas, que em todas as assembleias usavam da palavra para discutir e debater os problemas.


António de Souza Reis e esposa
Eram eles o Sr. António de Souza Reis (Pai do Reis Livreiro que conhecemos na Rua do Paço, e que nos deliciava com a cascata do S. João), e o José Alves, mais conhecido na urbe pelo Alves Latoeiro.

António Souza Reis e José Alves, deixaram os seus nomes ligados ao mutualismo penafidelense, ajudando a construir uma obra que será sempre lembrada e louvada tal os benefícios usufruídos pelos respectivos associados que, mediante uma pequena mensalidade, têm direito a médico, remédios, subsídios por doença, enterro e subsídio de luto para os seus familiares, desaparecendo assim os sérios inconvenientes que geralmente apareciam quando as fatalidades batiam à porta das classes menos abastadas.

Eram bons companheiros, mas sempre que surgia qualquer problema de maior importância para o mutualismo, colocavam-se geralmente em campos opostos estabelecendo uma “oposição” amiga e só provocada por amor à causa, que era explorada pelos associados que se dividiam em dois grupos por eles capitaneados.

Realizavam-se assembleias gerais muito agitadas ali na Rua do Paço, na sede das duas associações Artística e Fúnebre, lá estando sempre o António de Souza Reis e o José Alves, de papel e lápis na mão para debaterem as suas opiniões, as suas ideias, com aplausos das massas torcedoras que vibravam com os acontecimentos.

Houve também algumas sessões solenes de homenagem a benfeitores desses organismos descerrando-se por vezes as suas fotografias que iam enriquecer a galeria já ali existente e deveras apreciada.

É precisamente de uma dessas sessões solenes que vou falar hoje, relatando uma engraçada cena.



Tinha lugar naquela noite uma sessão solene para homenagear um velho servidor da Associação o cobrador Augusto Rebelo.

O Reis Livreiro, fazendo uso da palavra procurou tecer-lhe os mais rasgados elogios dizendo que era tão cuidadoso no seu trabalho de cobrança que logo de manhãzinha, mal rompia o dia, aparecia aos associados para efectuar a cobrança de cotas nas suas residências, algumas bem distantes.
E o Sr. Reis louvando sempre o Rebelo comparava-o ao melro que, logo de manhã surge nos campos com o seu trinar muito cedo como que a dar os bons dias ás populações.

Nesta comparação entre o Rebelo e o melro, a dada altura o Sr. Reis virou-se para a assistência e disse:

  • Se algum de vós ouvir um dia bater, muito cedo, à porta, sabeis quem é?

Ora estava a assistir a esta sessão soleneum sócio que nunca faltava a estes actos e que quase sempre se sentava nas primeiras filas de bancos e por vezes bem animado, o Zé Pereira, morador em S. Roque, que se dedicava à colocação e reparação de bombas de água, e que ao ouvir a pergunta do Sr. Reis, levantou a cabeça e respondeu em voz alta:

-É o melro!

Todos desataram à gargalhada de tal maneira, que nem o orador teve coragem para continuar o seu discurso, dando a sessão por terminada.




Infelizmente hoje esta Associação vai sobrevivendo sem a pujança de antigamente, mas agonizando numa morte lenta, ligada à máquina do desinteresse. Afinal de contas, como diz a sabedoria popular, “ Os tempos são outros”.