01 junho 2022

A MODA DO VITELO OU DA VITELA NÃO PEGOU

A MODA DO VITELO

OU DA VITELA NÃO PEGOU

 


 A festa do carneirinho, teve o seu início no ano de 1880, quando os alunos da Escola do Sr. Henrique de Carvalho, situada na Rua Cimo de Vila (hoje Rua Alfredo Pereira), resolveram oferecer um carneiro ao seu professor.

 


 Assim, quatro anos depois, na quarta-feira, 11 de Junho de 1884, véspera do Corpo de Deus, enquanto uns ofereciam um carneiro, os alunos do Colégio do Carmo, não estiveram com meias medidas, e ofereceram aos seus professores um vitelo todo enfeitado, ao digno director daquele estabelecimento de ensino, o reverendo sr. Padre José da Silva Botelho.

 


Os alunos formaram na Rua Cimo de Vila (hoje Alfredo Pereira), em duas extensas alas e seguiram pelas ruas: Largo da Ajuda, Rua Nova (hoje Joaquim Cotta), Praça Municipal, Rua Formosa (hoje Av. Sacadura Cabral), Praça da Alegria (hoje rua Conde Ferreira), Rua do Bom Retiro, Sacramento, Direita e Rua do Paço, onde se achava instalado o Colégio do Carmo (hoje Museu Municipal).

 Durante todo o percurso, fizeram-se acompanhar por duas bandas de música, a de Maureles e a de Vila Boa de Quires, tocando ambas na cerimónia da oferta.

 


O palacete onde estava instalado o Colégio do Carmo (hoje Museu), estava elegantemente decorado pelos alunos com plantas, arbustos e galhardetes.

Chegados ali, o aluno Miguel Pinto de Queiroz, subiu a um estrado previamente levantado em frente ao Colégio do Carmo e recitou a seguinte poesia:

 

Renovando antiga usança

Desde há muito esquecida

Vimos hoje praticá-la

Com nossa alma agradecida

 

Nestes dias, nesta terra

Faz a prática mui bela

Estudantes oferecerem

A seus mestres uma vitela

 

Nesse tempo não havia

Em estudantes o progresso

D'outra cousas ali próprias

Se ocupavam com sucesso

 

Mas nós jovens também somos

Do progresso, e o queremos

Mas do bem de ensinos rectos

São ideias que nós temos

 

De bom grado recebei,

Senhor padre director

Nosso preito e homenagem

Que rendemos com fervor.

 

Eia pois oh condiscípulos!

Levantemos jubilosos

Com alegria entusiasmo

Nossos vivas calorosos

 

E agora, em despedida

Recebei as saudações

Director e professores

Destes jovens corações.

 

A esta cerimónia, assistiram os membros da comissão do Colégio alguns dos quais pronunciaram algumas palavras exaltando a ideia sugerida no ânimo dos alunos, que era uma prova de respeito e gratidão para com os seus professores.

 


 

Pelo rev. sr. José da Silva Botelho, director do Colégio do Carmo foi pronunciado um breve discurso agradecendo aos alunos aquela prova de afecto. No mesmo sentido falaram também os talentosos professores srs. Padre Germano dos Santos Rodrigues e Narciso Vicente Lopes de Souza.

 

À noite deste mesmo dia, pelas 21horas, realizou-se neste estabelecimento de ensino desta cidade, um excelente sarau literário musical promovido por uma comissão de alunos, para comemorar o resultado extremamente elogioso obtido nos exames de admissão aos liceus a que foram submetidos 23 dos seus alunos.


 

O sarau começou com a recitação de uma poesia pelo aluno Octávio de Campos Monteiro.

 

Depois interpoladamente foram recitadas poesias pelos seguintes alunos:

 

Aurélio da Cunha Rola Pereira

Vasco Teixeira de Araújo Queiroz

António Adolfo Ribeiro de Aguiar

Guilherme Xavier Leão

Alberto de Araújo Cotta

Firmino Ribeiro Gomes

 

Também recitaram poesias os sr. António Júlio de Souza Campos e Gaspar Loureiro Paul, de Guimarães.

 

O ex.mo sr. Padre Germano dos Santos Rodrigues proferiu um brilhante e substancioso discurso, alusivo a esta simpática festa escolar, em que pondo em relevo o benéfico influxo que a instrução exerce sobre as sociedades, incitou ao estudo os alunos daquele estabelecimento científico- literário.

 

Nos intervalos uma boa orquestra composta pelos professores de música do Colégio, por alunos dos mesmos e pelo amador sr. Freitas Guimarães, executou diversas peças musicais entre elas um hino que foi composto e lhes foi oferecido pelo seu professor sr. José do Nascimento Cardoso. belíssimas peças musicais.

 

Ao piano estiveram as ex.mas senhoras D. Camilla Carneiro e a talentosa menina D. Rita de Araújo Cotta.

 

A este sarau assistiu tudo que havia de mais selecto e nobre na sociedade penafidelense, tais como: a aristocracia, a autoridade administrativa, comandante dos bombeiros, representantes da imprensa local, etc.

 


Cerca das duas horas da madrugada, terminou esta festa de instrução e progresso, tendo o reverendíssimo Padre Germano dos Santos Rodrigues, pronunciando um pequeno mas elegante discurso, agradecendo a todas as senhoras e cavalheiros que se encontravam presentes a honra de ali comparecerem, levantando entusiásticos vivas ao sr. Administrador do Concelho, Comandante dos Bombeiros Voluntários de Penafiel, e redactores de “O Commercio de Penafiel” e de “O Penafidelense”, vivas que foram correspondidos por todas as pessoas presentes.

 

O sr. Dr. Telles de Menezes, redactor do jornal “O Commercio de Penafiel”, agradeceu numa breve alocução, aquela prova de consideração e respeito por uma tão nobre instituição – a Imprensa.

 

O sr. Villaça, redactor do Penafidelense agradeceu também.

 

O sr. Simão Júlio de Almeida, em nome da corporação que tão dignamente comanda, dirigiu palavras de louvor por ver realizada uma festa de todo o ponto simpática, e agradeceu o viva que lhe fora dirigido, fazendo a apologia da festa, louvando os seus promotores, o professorado do Colégio, e os esplêndidos resultados com que via coroados os seus esforços e os beneméritos cavalheiros que formam a comissão fundadora e protectora de um estabelecimento de instrução, que tão notável se está tornando no país e que honra sobremaneira esta terra.

 

Assim terminou no dia em que foi oferecido um vitelo aos professores do Colégio do Carmo, este certame literário-musical, que a todos deixou as mais gratas recordações.

 


Para não ficar atrás, os alunos da Escola Conde de Ferreira na véspera do Corpo de Deus (28 de Maio de 1896), acompanhados pela Banda Penafidelense, percorreram as ruas da cidade com uma vitela, que ofereceram ao seu professor Leonídio Cerqueira de Vasconcellos.

 


 

Tal como hoje, o professor ou professora, lá oferece aos seus alunos guloseimas, sandes de queijo ou marmelada acompanhadas de sumos ou cálices de Vinho Fino. Depois era o regressar a casa com a alegria do dever cumprido, e com a satisfação de não trabalhar neste dia a palmatória.

 

Na véspera do Corpo de Deus, no dia 10 de Junho de 1903, os alunos do professor Belmiro Nogueira Xavier, em cortejo pelas ruas da cidade, acompanhados de música foram entregar uma vitela na Escola Conde de Ferreira, ao seu mestre.  Ali dois alunos pronunciaram discursos alusivos, ao que o professor agradeceu com palavras sinceras de reconhecimento e gratidão.

 


A moda do vitelo ou da vitela não pegou, pelo que na véspera do Corpo de Deus, a oferta do carneiro continua a ser tradição há 142 anos.

Afinal de contas, não podia ter sido de outra forma, pois como escreveu José Gomes Ferreira, “Carneiros é o que mais há”.

 

Fernando Oliveira – Furriel de Junho