01 janeiro 2022

2.º Aniversário da República em Penafiel

 2.º Aniversário da República

em Penafiel


Dois anos passados sobre a implantação da República, já o 2.º Grupo do Regimento da Infantaria 4 tinha regressado à Vila de Amarante, sendo o único inquilino do quartel de Penafiel o Regimento de Infantaria 32.

 


 

Assim, no sábado, 5 de Outubro de 1912, pelas 9h da manhã, os penafidelenses acordaram com salvas de foguetes lançados em diversos pontos da cidade inclusive na Praça Municipal. Na cidade para além do município, muitas casas particulares ostentavam nas suas frontarias a Bandeira Nacional.

 

Seguidamente a banda de música de Paços de Ferreira executou, em frente dos Paços do Concelho, o Hino Nacional, A Portuguesa, findo o qual o vice-presidente da comissão provisória da câmara, Dr. Aníbal Louzada, levantou um viva à República que foi correspondido pelo povo que estava presente naquele largo.

 


A mesma banda percorreu várias ruas da cidade tocando alternadamente a Portuguesa e o hino da Maria da Fonte, acompanhada por populares que levantavam vivas à República, voltando, à Praça Municipal para acompanhar ao quartel agora com o Regimento de Infantaria 32 lá instalado, a comissão onde se fazia representar a Câmara Municipal de Penafiel, as Associações Comercial e Industrial, Artística, Familiar, dos Bombeiros, dos empregados do Comércio e do Centro Democrático, que ali foram fazer a entrega de uma bandeira de seda bordada a ouro, adquirida com o produto de uma subscrição, promovida pela primeira entre os habitantes da cidade.

 

No quartel, as comissões foram recebidas pelo comandante o Coronel António Augusto de Oliveira Guimarães e pelo Major Amaro Dias e os oficiais do regimento, estando este com a respectiva banda formada na parada, para onde todos se dirigiram.

 

Ali o Dr. Joaquim Cotta, que transportava numa salva de prata a bandeira que foi oferecida pela cidade ao regimento de Infantaria 32, depois de um breve discurso fez a entrega da mesma ao seu comandante, Coronel António Augusto de Oliveira Guimarães, o qual agradeceu em nome do seu regimento. O sr. Coronel fê-la arvorar na respectiva haste, entregando-a desfraldada ao Alferes Xavier, que estava ladeado dos 2º sargentos Ribeiro e Joaquim Lopes. Dada a voz de sentido aos militares que se perfilavam na parada, o sr. Comandante dirigiu a palavra aos oficiais e praças do regimento, preferindo uma patriótica alocução em que realçava o valor e a significação da oferta, que era o símbolo da Pátria. Também discursaram o Capitão Mesquita Monteiro e o Major Amaro Dias, que nas suas palavras demonstraram aos soldados a sublimidade da sua missão em defesa da Pátria. Todos os discursos terminaram com vivas à República, à Pátria e à cidade de Penafiel, vivas que a multidão que assistia reproduziu com vivo entusiasmo. Da multidão, entre as quais muitas senhoras, saíram intensas aclamações ao Exército Português.

 


Feita a continência à bandeira por todo o regimento, o sr. Coronel Guimarães disse que se ia proceder à rectificação do juramento perante a nova bandeira, esperando que nas palavras que todos iam pronunciar, exprimissem toda a sua alma, todo o seu amor de cidadãos e patriotas. O Alferes Osório leu os artigos do regulamento disciplinar depois do que o regimento, feita nova continência, destroçou ao som da Portuguesa tocada pela banda de música do Regimento de Infantaria 32.

 

Seguiu-se na messe dos oficiais um copo de água oferecido aos representantes das diferentes colectividades da cidade pelos sr. Oficiais de Infantaria 32. Trocaram-se afectuosos brindes e respectivas saudações à Pátria e à República.

 


Pelas 12 h, numa mesa colocada no Passeio da Bela Vista (passeio junto ao antigo cinema), estavam dispostos os géneros que constituíam o bodo a distribuir a 250 pobres que constava de 160 réis em dinheiro, 700gr. de arroz, um bacalhau e uma broa de milho.

 

Ao som da banda do sr. Abel Baptista, de Paços de Ferreira, que tocava o Hino Nacional, em quanto se procedia à distribuição do bodo aos pobres que era feita pelas senhoras Sara Pinto Mello, Maria José de Chatillon, Maria da Immaculada Guimarães e irmã  Maria da Glória Guimarães, sendo coadjuvadas pelos senhores vice-presidente da Câmara Dr. Anníbal Louzada, administrador do concelho, Joaquim da Cunha Thomé, presidente da Associação Comercial, Miguel Gomes Teixeira, provedores da Santa Casa, Joaquim Morais da Silva, João Quintas, José Affonso, Bernardino Lopes Pereira e Manoel da Rocha Júnior, e da junta paroquial, António Babo.

 


Pelas 13h, realizou-se uma sessão solene no salão nobre dos Paços do Concelho, que se encontrava ornamentado com colchas riquíssimas e plantas raras bem como o átrio e a escadaria, que dá ingresso ao amplo salão. Este estava repleto e podia-se ver na assistência muitas senhoras da alta sociedade, o orfeão composto por crianças de ambos os sexos, das escolas primárias da cidade, acompanhado por um sexteto da banda do Regimento de Infantaria 32.

 

A presidência foi ocupada pelo Dr. Annibal Louzada vice-presidente da câmara, o qual, em virtude do seu estado de saúde, que o impossibilitava de falar, propôs à assembleia a sua substituição pelo Dr. Miguel Justino de Araújo Alvares, digníssimo juiz de direito, proposta esta que foi aceite por aclamação. O ilustre magistrado assumindo a presidência propôs para secretários Dr. Annibal Louzada, o comandante do regimento Coronel Guimarães, o Administrador do Concelho Joaquim da Cunha Thomé e o Presidente da Associação Comercial Miguel Gomes Teixeira.

 

Aberta a sessão, o presidente da mesa Dr. Miguel Justino, usou da palavra agradecendo a sua escolha, expôs com clareza o que era o regime republicano, fazendo a sua apologia e a comparação com os tempos idos da extinta monarquia, terminando o seu discurso com vivas à Pátria, à República ao Exército, que foram correspondidas por toda a assembleia com muitas palmas.

 

Em seguida foi dada a palavra ao Dr. Álvaro Bordallo de Almeida e Sá, oficial do registo civil, que afirmou que já no século XVIII se trabalhava para a implantação da República, demonstrando que entre os povos civilizados nenhuma razão tem para existir o regime monárquico.

 

Tomou de seguida o uso da palavra o sr. Luiz Carlos de Chatillon da Rocha Bessa, enaltecendo o significado desta festa verdadeiramente imponente, descrevendo a grandeza de Portugal antigo e depois da sua decadência pela corrupção dos seus governantes, comparando a uma velha nau desmantelada o Portugal brigantino. Terminou fazendo um apelo aos professores primários, de cuja missão depende o futuro da Pátria, exortando-os a fazer de cada criança um homem e de cada homem um cidadão.

 

Foi depois dada a palavra ao sr. Alvim, inspector das escolas primárias, que leu um elaborado discurso alusivo à instrução. Referiu-se ao aumento do número de escolas que a comissão municipal desta cidade de Penafiel tem criado no concelho e das que ainda deseja criar, e por último exortou o professorado que estava presente a nunca descurar o ensino como até agora o tem feito.

 

Finalmente, cedida a palavra ao último orador sr. Belmiro Xavier, digno professor oficial desta cidade, e sobretudo como professor primário, que muito se orgulhava, salientou que a missão do professor é incutir e desenvolver no espírito das crianças a instrução e educá-las civicamente para que mais tarde possam ser úteis a si e principalmente à Pátria. Finalizou a sua intervenção levantando calorosos vivas à Pátria, à República, ao exército e à instrução que foram delirantemente correspondidos.

 

Todos os oradores no final dos seus discursos foram delirantemente aplaudidos.

 


Encerrada a sessão procedeu-se depois à distribuição dos prémios, que constavam de fatos e vestidos de lã, sendo o sr. Presidente da Mesa quem os entregou às crianças que, ao recebe-los levantavam vivas à República. Também foi distribuído o prémio Ruth Silva de 1 libra em ouro, instituído pelo capitão Carlos Alberto Moreira da Silva, do Regimento de Infantaria 32, que coube ao aluno Rella, que melhor aproveitamento teve durante o ano no concelho de Penafiel, e era aluno da escola oficial de Novelas.

 


O Orfeão composto por 80 crianças de ambos os sexos, acompanhado por um sexteto da banda de música da Infantaria 32, cantaram no princípio e no final da sessão os hinos da Portuguesa e a Sementeira, cantando depois numa tribuna que previamente tinha sido levantada junto à Igreja da Misericórdia, novamente os hinos da Portuguesa, da Sementeira, da Maria da Fonte e da Escola sendo aplaudidos no fim de cada canto. No final foi servido um lanche a todas as crianças do Orfeão. A letra do Hino da Escola é do sr. Agostinho Brandão e a música do chefe da banda do 32 sr. Falcão.

 

Cerca das 16 h foi organizado um cortejo cívico, em frente aos Paços do Concelho, percorrendo depois as principais ruas da cidade (Praça Municipal, Rua Serpa Pinto, Largo da Ajuda, Rua Alfredo Pereira, Largo de S. Bartolomeu, Rua da Vista Alegre, Rua Alexandre Herculano, Direita, Sacramento, Bom Retiro, Calçada das Freiras, Largo do Conde de Torres Novas, Rua Formosa, sendo erguidos durante o percurso e correspondidos pelo povo, muitos vivas à Pátria e á República. O cortejo que veio a destroçar na Praça Municipal era assim constituído:

 

1 - Chefe da banda do RI32 sr.Falcão 2 - Abel Baptista da Banda de Paços de Ferreira e meninos do orfeão

À frente a banda de música de Paços de Ferreira seguida das crianças das escolas primárias e professorado, corporação dos Bombeiros Voluntários, Associação de Socorros Mútuos, Empregados do Comércio, Associação Comercial, comissão dos festejos, Banda de música do 32, uma força militar comandada pelo Capitão de Infantaria 32 sr. Villar, e como subalterno o Tenente sr. Ribeiro de Almeida, com a respectiva bandeira (oferecida pela comissão), conduzida pelos sr. Alferes Xavier ladeado pelos 2.º Sargentos Armindo Martins e Paixão. Comissão Municipal, autoridades civis, militares e judiciais, escrivães de direito e oficiais, e muito povo. Todas as corporações levavam as respectivas insígnias.

 


Mal caiu a noite, a Câmara, os edifícios públicos e algumas casas particulares na cidade estavam iluminadas e o Jardim Público também estava iluminado com tijelinhas de cera, enquanto no coreto se fazia ouvir a Banda da Infantaria 32.

 

Enquanto uns ouviam música no jardim, outros penafidelenses permaneciam na Praça Municipal, em frente à montra da Sapataria Penafidelense do sr. Gregório Nogueira Soares, onde no vidro da mesma o fotógrafo Sebastião Borges fazia várias projecções de belo efeito, dos estadistas republicanos, monumentos e paisagens de Portugal.

 


Isto tudo se passou no tempo em que a República era respeitada. Actualmente a república sofre do mesmo mal que fez tombar a monarquia, mas estejam descansados que não cai, pelo menos enquanto houver bazucas europeias, para a manter em pé. Mas que nuvens negras começam a aparecer no horizonte, lá isso também é verdade. É que ontem como hoje, os Vampiros estão aí, e tal como em tempos passados, “Eles comem tudo e não deixam nada”, e cá para nós que ninguém nos ouve, já vai sendo mais que tempo, de ajustar conta com os novos “vendilhões do templo”.

 

Fernando Oliveira – Furriel de Junho