01 dezembro 2019

MÚSICAS NOVAS EM TEMPOS VELHOS

MÚSICAS NOVAS 
EM TEMPOS VELHOS



Cresci a ouvir o Nacional Cançonetismo, canções como “ O Mar Enrola na Areia, o Arroz está crú, O Zé Aperta o Laço, ou a canção Oração que nos foi representar no Festival da Eurovisão interpretada por António Calvário e muito fado.


Nesse tempo as grandes vozes vinham da França ou da Itália e lá se ouvia Edith Piaf, Françoise Hardy, John Holiday, Charles Aznavour, Dalida, Sylvie Vartan, Gigliola Cinquetti, Jane Morandi entre outros.



Foi graças à Revista Musical Mundo da Canção de periodicidade mensal, e ao programa radiofónico “Página Um” transmitido diariamente (excepto aos domingos), na RR, e que ia para o ar ás 19,30h, que comecei a despertar para outro panorama musical, que ainda hoje aprecio.

Avelino Tavares


No mês de Dezembro de 1969, aparece nas bancas uma nova revista com o título MC ou seja as iniciais das palavras Mundo da Canção, tendo como seu fundador e editor Avelino Tavares, do Porto. 

Francisco Fanhais
A ilustrar a capa do seu primeiro número, uma foto de Francisco Fanhais, padre e cantor de intervenção política, hoje Presidente do Núcleo de Lisboa da Associação José Afonso.



Ao longo dos números da revista, vários cantores de intervenção fizeram capa como: José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Manuel Freire.

José Afonso

Desde a críticas discográficas e artigos de análise e de divulgação, os leitores tiveram a oportunidade de contactar com os mais variados autores, compositores e intérpretes da canção, tais como:


Portugueses - José Afonso, Luis Cília, Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Alegre, Manuel Freire, Fausto, Filarmónica Fraude, José Manuel Osório, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Vitorino, GAC, Pedro Barroso, Samuel, José Jorge Letria, Fernando Tordo, Carlos Mendes, Brigada Victor Jara, Almanaque, Vai de Roda, José Barata Moura, Janita, Luisa Basto, Carlos Paredes, Paulo de Carvalho, Banda do Casaco, Quarteto 1111, Trovante, Terra a Terra, Júlio Pereira, Né Ladeiras, Michel Giacometti, Fernando Lopes Graça, Rui Veloso e tantos, tantos outros da cena musical portuguesa.

Patxi Andion

De Espanha - Joan Manuel Serrat, Patxi Andion, Joaquin Diaz, Manolo Diaz, Paco Ibañez, Aguaviva, Maria Ostiz, Maria del Mar Bonet, António Portanet, Pi de La Serra, Amancio Prada, Fuxan os Ventos, Pablo Quintana e outros de expressão hispânica.

Joan Manuel Serrat

Do outro lado do mar - Daniel Viglietti, Carlos Puebla, Mercedes Sosa, Astor Piazzolla, Chico Buarque, Milton Nascimento, Sílvio Rodriguez, Pablo Milanès, Violeta Parra, Soledad Bravo, Atahualpa Yupanqui, Gal Costa, Gilberto Gil, Jorge Ben, Elis Regina, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Nara Leão, Zélia Barbosa, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Ivan Lins, Maria Creuza e Vinicius de Moraes, entre muitos outros da área de expressão latino-americana.



De França - Jean Ferrat, Boris Vian, Juliette Grecco, Serge Reggiani, Georges Brassens, Jacques Brel, Claude Nougaro, Georges Moustaki, Léo Ferré, Colette Magny e Catherine Ribeiro, entre outros grandes nomes da “chanson” e da música francesa.




Na vasta área de expressão anglo-americana - Beatles, Rolling Stones, Elvis Presley, Bee Gees, Donovan, Bob Dylan, Pete Seeger, Woody Guthrie, Joan Baez, Phil Ochs, Doors, Leonard Cohen, Melanie, Simon & Garfunkel, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jethro Tull, Van Der Graaf Generator, Gentle Giant, Yes, Genesis, Tom Paxton, Judy Collins, Eric Clapton, Elton John, Pink Floyd, Carole King, James Taylor, Cat Stevens, Fairport Convention, Procol Harum, Van Morrison, Dire Straits, Lou Reed, Joy Division, King Crimson, John Lennon e Steppenwolf, entre muitos mais.



Como era um revista que se dedicava à música, o Mundo da Canção nunca se tinha submetido a qualquer tipo de censura ou exame prévio. Mas como não há bem que sempre dure, em 1973 teve a sua edição N.º 34 apreendida, nas oficinas da Tipografia Aliança Lda., pela PIDE/DGS. 


A partir daquela altura, e até ao 25 de Abril de 1974, cada edição era submetida ao exame prévio, com os respectivos cortes da censura ao Mundo da Canção.



O número em questão, do início de 1973, trazia na capa cinco álbuns de música portuguesa recentemente editados: Até ao Pescoço, de José Jorge Letria, Margem de Certa Maneira, de José Mário Branco, Eu Vou Ser Como a Toupeira, de José Afonso, Palavras Ditas, do declamador Mário Viegas, e Fala do Homem Nascido, com poemas de António Gedeão, música de José Niza e interpretações de Carlos Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha. 

 
Um dos pides, que transportava as caixas com a revista em causa para a carrinha, pediu ajuda ao Avelino Tavares editor da mesma.



Ao início disse-lhe que não colaborava, mas depois lá resolveu ajudar, mas só levava os exemplares até uma mesa. Eles é que transportavam as caixas para a rua. E, enquanto iam lá fora, ele aproveitava para pôr uns quantos exemplares na zona do papel velho e das aparas, por baixo de umas escadas.



Isto só foi possível porque os pides saíam os dois ao mesmo tempo. De modo que ainda conseguiu salvar muitos exemplares. Os exemplares deste nº 34 que Avelino Tavares conseguiu salvar tiveram de ficar escondidos durante mais de um ano. “Quando veio o 25 de Abril, foi colocado à venda com uma cinta que dizia o seguinte:



Este número do MC viajou directamente da tipografia para os armazéns da Ex – Pide / DGS, e aí passou 13 longos meses! Voltou a encontrar a sua liberdade depois do 25 de Abril”...




Auto de fé da PIDE onde se encontram exemplares do Mundo da Canção.

O Mundo da Canção faz parte do meu património afectivo e cultural que preservo todos os números da revista na estante das minhas velharias sem preço.




Todo o espólio do Mundo da Canção, foi doado à Biblioteca e Arquivo Ephemera pertencente a José Pacheco Pereira, por Avelino Tavares. 




Como neste mês de Dezembro de 2019, faz 50 anos que apareceu nas bancas o MC, não podia deixar de lembrar esta revista musical, que a minha geração teve a sorte de conhecer e ler. 

Paulo de Carvalho
Se a nível de cultura musical esta revista teve a sua importância para a minha pessoa, o programa radiofónico da Rádio Renascença, Página 1”, que se iniciou a 1 de Janeiro de 1968 e acabou na primavera de 1975, apurou-me o ouvido.



Na altura que o comecei a escutar diariamente era seu locutor José Manuel Nunes, Adelino Gomes nas reportagens, e a parte técnica estava a cargo de José Manuel Moreno Pinto.


Foram os Pop Five que entregaram a versão feita apenas de bateria e baixo, do "Page One" que servia de indicativo do programa Página 1.



Os discos chegavam em 1ª mão ao Página 1 essencialmente devido à colaboração de Fernando Tenente, um entusiasta musical que vivia no Porto e trabalhava na Marconi. Além disso, como o programa era muito popular (não havia TV e a Rádio de final de tarde era muito ouvida), as editoras discográficas privilegiavam o programa.

Muita música de expressão anglo-saxónica e uma selecção de temas rotularíamos hoje de “world music”. 

Além disso, a música portuguesa de qualidade estava sempre muito presente. Foi o Página 1 quem lançou, por exemplo, Sérgio Godinho, José Mário Branco estes dois emigrados em França e Fausto.

Uma das canções que passava frequentemente vinda da vizinha Espanha era:




La juventud tiene razón de Manolo Diaz
Manolo Diaz

O Programa Página 1, recebeu um prémio de rádio pela Casa da Imprensa em 1971. A título excepcional, a mesma Casa da Imprensa atribuiu o prémio de Reportagem Radiofónica a Adelino Gomes em 1972. A cerimónia de entrega do prémio decorreu em espectáculo promovido no Coliseu dos Recreios apenas a 30 de Março de 1974.

Adelino Gomes


Segundo o relatório da Polícia de Segurança Pública de Lisboa, a sala estava superlotada, predominando a juventude e elementos conhecidos do MDP/CDE (Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral) .



Na ocasião, o jornalista Adelino Gomes, disse:

“tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito algumas coisas e por pretender dizer muitas outras coisas que vocês deviam saber”.



Não sei por quê nem porque não, tudo isto desapareceu, dando lugar ao pimbalismo nacional, que passa tanto nas rádios e invadiu as televisões, em que o cantor geralmente faz-se acompanhar de um par de bailarinas que saracoteiam as ancas e agitam os braços, enquanto os jovens abanam o “capacete”, e repetem “Nós Pimba! Nós Pimba!”.



Pensando cá com os meus botões, talvez estas canções estejam mais condizentes com o país real.



Se tempos houveram que tínhamos músicas novas em tempos velhos, hoje temos músicas velhas em tempos novos.


Fernando Oliveira – Furriel de Junho