O PÉ DESCALÇO
O PÉ DESCALÇO
Em 1926, é aprovado o Decreto-Lei n.º 12073, que proibia a circulação de pés descalços nas vias públicas das cidades, e dava poderes aos governos civis para aplicaram as novas leis e sancionavam as transgressões com multas pesadas.
A Liga Portuguesa de Profilaxia Social, através de uma circular, de 20 de Maio de 1928, proibiu a circulação de pés descalços na cidade do Porto.
O Governador Civil do Porto, Dr. Elísio Pimenta, presidiu a uma reunião da Comissão Executiva à qual assistiram Dr. António Emílio de Magalhães, Presidente da L.P.P.S., Capitão Gaspar Rodrigues, delegado da G.N.R., e Aprigio Rocha, Adjunto do Director do Distrito Escolar.
Elísio Pimenta, anunciou a criação de brigadas motorizadas especiais que vão percorrer as estradas, e aplicar multas a todas as pessoas que por incúria e vício injustificado se apresentem sem calçado. Aprigio Rocha referiu-se à acção desenvolvida pelas autoridades escolares no sentido de fazer cumprir rigorosamente as instruções dadas para impedir que as crianças assistam ás aulas descalças.
Quando entrei em 1957, para a Escola Primária Conde Ferreira em Penafiel, muitos dos colegas iam descalços, mesmo nos dias mais frios, de invernos rigorosos. Os professores faziam vista grossa, pois sabiam da miséria que existia em muitos lares.
No recreio e nas brincadeiras também corriam descalços, saltando e jogando à bola na terra dura. Quantas vezes voltavam à sala de aula com os pés doridos, feridos e até ensanguentados, mas sempre a sorrir, porque brincar era maior que a dor.
Quando chegava o dia solene de fazer o exame da 4.ª classe, calçavam sapatos geralmente usados pela primeira vez, pois marcava uma passagem para outra etapa da vida.
O Estado Novo intensificou a perseguição, associando o hábito à pobreza e à “incivilização”. Mendigos, vendedores ambulantes e trabalhadores rurais eram alvos preferenciais, frequentemente detidos e levados a tribunal.
A Câmara Municipal de Penafiel, entretanto tinha dois funcionários que eram conhecidos pelos penafidelenses como fiscais do pé descalço.
Lembro-me de ver muitas mulheres do campo, vindas das quintas que rodeavam a cidade, quando chegavam ao túnel de Puços, calçavam à pressa os seus tamancos apenas para atravessar a cidade.
Para fintar a lei, aparecem as socas de madeira com uma tira de cabedal que alguém com mais habilidade as fazia, e desenrascava os mais pobres. Estas socas faziam um barulho ao caminhar parecido com o arrulhar das rolas, sendo por isso conhecidas por rolas.
Toda esta situação é retratada nos versos de Augusto Gil, na sua Balada da Neve que a dada altura diz:
…. …. …. ….
Olho-a
através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente
e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do
caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que
avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
a
neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em
sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que
quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças,
Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem
assim?!...
Em 1958, Aquilino Ribeiro publicou o romance “Quando os Lobos Uivam”. Considerado pelo regime salazarista ofensivo e injurioso relativamente às instituições e ao poder, levou à apreensão da edição pela PIDE e à instauração de um processo-crime ao ilustre escritor. Entre as várias acusações que lhe eram feitas salientava-se aquela em que Aquilino afirmava que Portugal era um “país de pé-descalço”, o que, na opinião dos acusadores, denegria o prestígio internacional do país.
No tempo da outra senhora que pelos vistos muitos apregoam o seu regresso a triplicar, resolvia-se as situações com proibições, multas e perseguições.
Hoje, Portugal dito democrático, que foi transformado numa coutada de dois partidos, anda calçado, engravatado, e bem falante, mas para aguentar tal aparência de novo rico, e para alimentar tantos “Jobs for the boys”, tanta incompetência e tanta corrupção, vendeu e continua a vender os seus bens, mas quando acabarem os fundos europeus, não seremos um Bangladeche, mas um submarino com almirante ou sem ele, a afundar e a desaparecer em águas profundas, à espera de um novo D. Sebastião.
Mas como de costume, a culpa é sempre dos outros.
Fernando Oliveira – Furriel de Junho




















































