O POSTAL
O
POSTAL
Mal
rompe o dia, o barulho das camionetas invade a cidade.
Da
carreira vinda do lado da Ribeira, que estacionou na paragem perto do
município, saiu um homem com ar de macambúzio, e veio numa passada
lenta passeio fora em minha direcção.
- Bom
dia! (fazendo uma pequena vénia).
Retorqui
o cumprimento à moda covidiana, ou seja com uma cotovelada.
Por entre a máscara lá me perguntou:
Por entre a máscara lá me perguntou:
- O
senhor sabe-me informar onde me devo dirigir?
Li
o postal e indiquei-lhe o melhor caminho para lá chegar.
- Sabe,
quem costuma tratar desta papelada é o meu filho, mas quê, ele
agora emigrou para a Alemanha, e eu que não sei ler uma letra do
tamanho de um camião, tenho que meter os pés ao caminho.
O
nosso homem lá foi colocar-se na cauda da fila que já era longa, mantendo a distância física, à
porta da repartição.
Ás
nove horas em ponto o contínuo escancarou a porta da entrada. As
pessoas entraram e subiram a escadaria que as levou ao primeiro andar
formando novamente a fila à boca do guichet de atendimento.
Bastava
olhar para a cara dela, para ver que a funcionária vinha mal
disposta, falando num tom agressivo. Se a cabeça da fila ia
diminuindo a cauda por sua vez ia engrossando.
Quando
chegou a minha vez de ser atendido, a nossa amiga virou costas e
desapareceu.
-
Pois é! Foi tomar café e quando veio esteve mais de um quarto de
hora a palrar com duas colegas, e a malta toda à espera que sua
excelência se dignasse vir-nos atender.
- Enfim...
Comecei
a ficar bravo como só o mar quando rebenta nos rochedos a sua fúria.
A
malta começou toda a protestar e como eu não sou nenhum santo tive
que explodir:
- Isto
é uma grandessíssima pouca vergonha! Ao mesmo tempo que tilintava
com uma moeda no patamar do guichet.
- Ó
minha senhora, então ninguém vem atender?
A
confraria dos mangas de alpaca entrincheirada em resmas de papéis,
apenas olhou de soslaio e continuou pávida e serena como até ali.
- Quem
é o chefe disto que eu vou já falar com ele? Isto não pode ser!
Um
funcionário dirigiu-se calmamente ao guichet.
- O
senhor não vê que está a perturbar quem trabalha!
- Se
estou a atrapalhar o trabalho a culpa é dos senhores, se não já
me tinham vindo atender.
- Vamos
lá e baixe a voz que eu ouço bem, e tenho mais que fazer.
- Bem,
passe para cá o bilhete-postal.
Lá
foi com o papel na mão para a secretária. Aí reuniram os mangas de
alpaca. Todos murmuravam, encolhiam os ombros e gesticulavam. Por fim, um homem
aparentando uns cinquenta e muitos anos surgiu diante da minha
pessoa, com o postal na mão, limpando vagarosamente os óculos.
- O
senhor é que é o Etelvino da Costa?
- Sim
senhor.
- Você
ainda o mês passado cá esteve a requerer uma licença para obras,
mas acontece que lhe falta preencher uma simples coisa mas sem isso
como deve compreender o seu requerimento não podia seguir os
trâmites legais.
- Nós
precisamos de saber, qual é a sua naturalidade?
Etelvino
soltou uma gargalhada deixando ver, a sua falta de dentes.
- Essa
é boa! Aonde havia de ser, senão na minha terra.
Ao
descer a escadaria que o levava novamente à rua trauteava baixinho
algo mais ou menos parecido com isto:
Se
toda a cera que vemos
Se
pudesse transformar
Certos
locais de trabalho
Seriam
mais um altar
- Então
está tudo resolvido?
- Até
ver!... - Até ver!...
Nota:
Caro(a)
Leitor(a)
Qualquer
semelhança com a realidade, é pura coincidência.
Fernando
Oliveira – Furriel de Junho