BACALHAU
À GOMES DE SÁ
Hoje
vou falar de um prato tradicional da cozinha portuguesa e que dá
pelo nome de “Bacalhau à Gomes de Sá.
Este
prato foi criado pelo portuense José Luís Gomes de Sá Júnior, que
nasceu a 7 de Fevereiro de 1851, na Rua Cimo do Muro, N.º 114 que
viria a ser mais tarde chamada de Rua dos Bacalhoeiros, na freguesia
de S. Nicolau na cidade do Porto, tendo falecido a 31 de Janeiro de
1926.
É
um prato de muito impacto em todo o território português bem como
no Brasil, herança cultural das povoações do Norte de Portugal.
Por
essa razão, o Cônsul do Brasil no Porto, em 1988, João Frank da
Costa, decidiu homenagear o criador da receita mandando colocar uma
placa na parede da casa onde nasceu, na Rua do Muro dos Bacalhoeiros.
Negociante num armazém do “Fiel Amigo”, sediado na Rua do Muro dos Bacalhoeiros,
na Ribeira do Porto, começou por experimentar receitas e aperfeiçoar
outras, cozinhando de várias maneiras o bacalhau.
De
experiência em experiência, chegou àquela que lhe imortalizou o
nome.
Convidou
para um almoço vários amigos de paladar apurado e as respectivas
esposas para se pronunciarem sobre o saboroso prato.
Escusado
será dizer que foram estas senhoras que melhor propaganda fizeram e
o Bacalhau à Gomes de Sá, ganhou fama, e não se falava noutra
coisa na cidade invicta e arredores.
Foi
então que começou a caça a tal receita. Muitas perguntas foram
formuladas ao Gomes de Sá sobre a maneira de cozinhar tal prato, mas
ele sempre respondia: “ Com batatas, ovos, bacalhau e bom azeite.
As especiarias não contam”.
Como
o autor não divulgava a receita, logo surgiram várias ideias para a
obter.
Uma
das convidadas de um dos almoços era da freguesia de Galegos, do
concelho de Penafiel. Esta depois de várias trocas de impressões
com as outras cinco senhoras presentes, disse-se convencida que o
Gomes de Sá a ninguém dava a receita, mas haver necessidade de lha
arrancar, custasse o que custasse. A ela já lhe havia ocorrido um
ardiloso truque, mas para lhe dar execução, carecia de parecer e
colaboração das suas cúmplices.
“Sabemos
que o Gomes de Sá é solteiro. Igualmente sabemos que nele também a
Natureza deve reclamar os seus direitos! Andando faminto de amor é
crível que a troco de um “jeitinho” alguma senhora lhe apanhe a
almejada receita. Mas onde encontrar a senhora, jeitosa e livre,
viúva ou solteirona que a isso se preste? De outra maneira julgo-o
muito difícil”.
Se
ao início esta artimanha era segredo das seis senhoras, meses depois
teve conhecimento o dono do Restaurante Lisbonense, da Rua Sá da
Bandeira, a quem também muito interessava esta descoberta.
Casado
com uma senhora muito bem relacionada nos concelhos de Paredes,
Penafiel e Amarante, para lá enviou a esposa com a difícil missão
de encontrar, não uma mas três raparigas que aceitassem ir ao Porto
num determinado dia, sendo preciso, lá ficar uma temporada a que
viesse a ser escolhida.
Em
Paredes foi seleccionada uma na sede do concelho, em Penafiel, uma da
freguesia de Peroselo, e em Amarante na da Madalena.
Um
ano depois o retoque e o estado do plano estava concluído.
E
num belo dia, Gomes de Sá, quando menos o esperava recebeu no seu
armazém três amigos a quem devia alguns favores, em especial a um
tal Bernardo da Silva Dâmaso.
Estes
dirigiram-se-lhe da seguinte maneira:
“Um
de nós pretende dar um almoço que marque. Desejamos que dele conste
o prato de que no Porto muito se fala e poucos conhecem. Só tu o
sabes fazer e não divulgas a receita, o que não te censuramos. Mas,
pedimos-te que aceites ir fazer esse prato a casa de um de nós
àquela onde te sentires mais à vontade para isso.
É
que além de nos ser muito agradável saborear o prato da tua
autoria, temos ainda para esse almoço dois convidados de Lisboa, e
pretendemos que eles regressem à Capital a reconhecer que o Porto
até na Arte Culinária dá lições a Lisboa.”
Gomes
de Sá aceitou e agradeceu o convite, em casa do Dâmaso mas
condicionou-o a que nesse dia, na cozinha, todos teriam que lhe
obedecer. E nisso se aceitou. A dona de casa onde o almoço ia ser
servido, conhecedora do truque inicial e do que estava em marcha,
rejubilou.
Escolhido
o dia para esse almoço, vieram, com uns dias de antecedência, de
Paredes, da freguesia de Peroselo e da Madalena as três convidadas
para ele. E logo que elas chegaram ao Porto uma das melhores modistas
da cidade Invicta foi chamada ao Restaurante Lisbonense, onde as três
se hospedaram, e encarregada de para cada tipo de rapariga escolher o
tipo de vestido que ela julgasse mais provocante.
Gomes
de Sá, na véspera, depois de informado da hora marcada para o
almoço disse à esposa do seu amigo para mandar ao seu armazém
buscar vinte postas de bacalhau, Estas escolhidas por ele, estariam
já cozidas com igual número de ovos e batatas correspondentes
quando ele chegasse no dia imediato.
Ultimaria
o seu prato e em seguida almoçar-se-ia, e disse-se convencido que
tudo havia de correr bem.
Porém,
à hora marcada, quando ele entrou na cozinha começou por perguntar
onde estava tudo o que precisava. E depois de informado pediu à dona
da casa para se retirar, pediu-lhe licença para fechar a porta da
cozinha e só apareceu quando o seu prato já estava nas travessas,
como ia ser servido.
O
prato Gomes de Sá atingiu nesse almoço o seu ponto culminante.
Havia entre os convivas, dois júris. Um feminino e outro masculino,
encarregados de observar o Gomes de Sá nas suas respostas ás três
convidadas. Estas, graças àquela intervenção da modista do Porto,
apresentaram-se como senhoras de distinção. E no final, os dois
júris, reunidos em conferência, acordaram em ter sido a rapariga de
Peroselo quem mais o interessou.
Eis
porque no dia seguinte as de Paredes e da Madalena regressaram
despeitadas às suas terras. A de Peroselo ficou no Porto e ainda
nessa tarde se apresentou a Gomes de Sá, pedindo-lhe a receita do
seu prato, pedido este que repetiu nos dias seguintes com muito
empenho. E da assiduidade desses pedidos surgiu o galanteio que ela
soube provocar e foi graduando metodicamente, mas sempre sem perder a
compostura, como hoje se diz.
A
verdade, é que quando claramente convidada a ceder aos rogos de quem
a requestava, ela soube condicionar a sua entrega. Cederia sim, mas
só depois dele ir ao Restaurante Lisbonense fazer o seu prato na
presença dela e do sr. João dono do Restaurante Lisbonense. O
detentor da receita ainda quis resistir, mas, a elegância e linhas
airosas dessa rapariga venceram-no.
Escusado
será dizer que o Sr. João do Restaurante Lisbonense foi quem mais
lucrou com a receita, que a princípio também não divulgou, pois
com ela passou a fazer muito bom negócio. Só mais tarde, de acordo
com o autor, ela foi publicada num livro de culinária, que
rapidamente se espalhou por todo o País.
O
resto adivinha-se. E cerca de dois meses depois ela regressou a
Peroselo, mas vinha ao Porto de vez em quando.
Em
1 de Abril de 1882, deu à luz uma robusta criança do sexo feminino
que na Pia Batismal recebeu o nome de Adelaide, que as rivais da mãe
(as duas raparigas de Paredes e Madalena), logo alcunharam de “Filha
do Bacalhau à Gomes de Sá”.
Esta,
ao saber haverem-lhe alcunhado a filha de “Filha do Bacalhau à
Gomes de Sá”, sofreu com isso grande desgosto. Quando Adelaide
contava cinco anos, mãe e filha desapareceram de Peroselo, sem que
ninguém soubesse o seu paradeiro.
Só
ao fim de muitos anos, foram vistas nos arredores de Figueiró dos
Vinhos.
A
terminar, direi haver motivo para os penafidelenses se sentirem
satisfeitos, por se dever a uma sua conterrânea a obtenção da
receita deste pitéu que dá pelo nome de Bacalhau à Gomes de Sá.
E
já agora, como estamos em pré campanha eleitoral, e como todos nós
sabemos do que são capazes os políticos da nossa praça, devemos
desvalorizar as promessas do tipo:
“Com
nós no poder haverá “bacalhau a pataco”, embora nos tempos que
correm, todos sabemos que isso não passa de "paleio fiado".