CANTARES AO DESAFIO
CANTARES
AO DESAFIO
Depois da Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura declarar em 2011, o Fado
como Património Imaterial da Humanidade, em 2014, foi a vez do Cante Alentejano
ser reconhecido como tal.
Mas por estes lados de Penafiel,
havia em tempos que já lá vão, tocatas e cantadores ao desafio que foram
desaparecendo juntamente com os seus intérpretes, não chegando por isso a tal
galardão.
Cantadores que se
revelavam uns autênticos poetas, tal a facilidade com que de improviso
versejavam, em apaixonante e interessante despique, um tema que era
estabelecido pelos dois, sendo na maioria das vezes, um homem e uma mulher.
Estes cantadores não
mantinham qualquer rivalidade entre si, antes davam-se como bons amigos,
entendendo e muito bem, que a luta que travavam não ia além de uma brincadeira,
com o único objectivo de ajudar alguma comissão de festas, ou o taberneiro que
os tenha contratado, passando o dia bem passado entre umas canecas do verde da
região, acompanhado de uns saborosos petiscos.
Quando a tocata e os
cantadores eram contratados para animarem festas nas freguesias vizinhas da
cidade a concentração dos cantadores e da tocata era muita das vezes feita junto
da igreja da Misericórdia, logo a seguir à missa das 11 horas. Procurava-se com
isso fazer um pouco de reclame ao acontecimento, sabendo-se que aquela missa era
bastante frequentada por pessoas das redondezas de Penafiel.
Dali partia, portanto,
o ajuntamento, levando na frente moçoilas encarregadas de passar os bilhetes da
«rifa» e logo a seguir os cantadores, componentes da tocata e o povinho sempre
curioso que começava logo a gozar o espectáculo, visto que as cantigas
iniciavam-se com a saída do agrupamento.
Muitas destas tocatas iam desaguar a este Largo em Santa Marta |
Percorrida, a pé, a distância
entre a cidade e o local da festa, e depois do almoço servido pelo organizador
da rifa aos componentes do grupo, começava o desafio entre os dois cantadores que
de princípio se estudavam mutuamente com vista à escolha do tema a discutir por
meio de versos nem sempre bem medidos, mas em geral de construção harmonizada
com a música.
Os mirones apaixonados
que constituíam a assistência ao espectáculo iam surgindo de todos os lados, e,
formando roda, afinavam bem as orelhas para não perderam pitada das cantigas
que, ora baixo, ora alto, eram soltadas pelos cantadores.
Horas e horas se
sustentava a luta até que por acordo dos interessados tudo acabava em bem, mas
ouvindo-se sempre os comentários dos presentes à actuação dos cantadores,
apreciando cada um e a seu modo o seu trabalho naquele dia.
O taberneiro, esse
começava a fechar as portas do estabelecimento bendizendo o apuro que fizera
com a «rifa», que não tinha sido nada mau. Nisto se resumiam esses
acontecimentos aldeãos que outrora se realizavam quase todos os domingos do ano
e que agora não vemos há muito por ter aparecido melhor distracção, como
futebol, cinema, televisão, etc.
Pena foi que tal
acontecesse, pois essas realizações tinham o seu quê de regionalismo, de vida
da aldeia.
Para finalizar diremos
que entre os cantadores de que falamos houve alguns de grande fama.
Uns já morreram
infelizmente.
No rol dos
desaparecidos, figura o nome de Luís da Costa, por alcunha o MULATO, cantador
muito conhecido destas redondezas pelas deslocações que fazia, também nos é
grato lembrar o nome de Joaquim Coelho Dias, bom penafidelense conhecido entre
nós por «Quinzinho das Lages», visto ter estado muito tempo como caseiro da
Quinta das Lages, propriedade do Senhor Visconde de Vilarinho da S. Romão.
O nome deste cantador
correu fama em toda a região nortenha pelas suas boas actuações nas «rifas» e
outros espectáculos que foram então levados a efeito e para os quais era sempre
convidado.
Nesses recuados tempos
existiram ainda, por estes sítios, outros cantadores, corno António Pereira, de
Pedrantil - Croca, Alberto Peixoto, de S. Mamede de Recesinhos e a célebre
Maria Bicheira, que até tem discos gravados de algumas das suas cantigas, tal
como o Quinzinho das Lages.
Do aludido cantador
MULATO, homem de rara habilidade na maneira de actuar, são os versos que vamos
reproduzir e que foram ouvidos numa «rifa» realizada algures e na qual teve
como adversário o já referido Alberto Peixoto, que no debate, fazia de
«caçador», sendo o MULATO a «lebre».
Reparem na perfeição
com que o assunto posto em discussão era tratado pelos contendores, sobretudo
pelo MULATO.
Cantava o MULATO
(Lebre) para o Peixoto (Caçador);
«Quantas
vezes te hei-de ir comer,
As
couves da tua horta;
E
tu me há-des ir atirar,
Aos
tiros mesmo da porta;
E
eu, por aquela serra acima,
Aos
saltos como um cabrito,
Por
não me poderes matar,
Ficas
todo aflito».,
E pronto, restam-nos
estas lembranças, para que os vindouros saibam que por aqui, também havia um outro
cante.
2 Comments:
Caro Sr. Fernando
Vim parar a este blog por mero acaso, ao tentar procurar mais informações acerca da "Margarida, cantadeiras de Paredes", por ter gravado aqueles dois discos com o Grupo Regional de Penafiel em 1928.
Que maravilha de texto!
Gostaria bastante de entrar em contacto consigo, porque gostava de saber mais pormenores.
Acha possível?
Cumprimentos
Hermínio Maio
Que maravilha de texto!
Vim ter aqui por acaso quando procurava mais informações acerca dos discos do Grupo Regional de Penafiel , acompanhados pela "Margarida, Cantadeira de Paredes" e pelo "Joaquim, cantador das Lajes".
Que curioso todo este contexto!
Gostaria de falar um pouco consigo, e se possível ter mais informações. Acha possível?
Obrigado
Hermínio
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