13 abril 2016

CANTARES AO DESAFIO



CANTARES AO DESAFIO



Depois da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura declarar em 2011, o Fado como Património Imaterial da Humanidade, em 2014, foi a vez do Cante Alentejano ser reconhecido como tal.

Mas por estes lados de Penafiel, havia em tempos que já lá vão, tocatas e cantadores ao desafio que foram desaparecendo juntamente com os seus intérpretes, não chegando por isso a tal galardão.

Cantadores que se revelavam uns autênticos poetas, tal a facilidade com que de improviso versejavam, em apaixonante e interessante despique, um tema que era estabelecido pelos dois, sendo na maioria das vezes, um homem e uma mulher. 

Estes cantadores não mantinham qualquer rivalidade entre si, antes davam-se como bons amigos, entendendo e muito bem, que a luta que travavam não ia além de uma brincadeira, com o único objectivo de ajudar alguma comissão de festas, ou o taberneiro que os tenha contratado, passando o dia bem passado entre umas canecas do verde da região, acompanhado de uns saborosos petiscos.


Quando a tocata e os cantadores eram contratados para animarem festas nas freguesias vizinhas da cidade a concentração dos cantadores e da tocata era muita das vezes feita junto da igreja da Misericórdia, logo a seguir à missa das 11 horas. Procurava-se com isso fazer um pouco de reclame ao acontecimento, sabendo-se que aquela missa era bastante frequentada por pessoas das redondezas de Penafiel. 

Dali partia, portanto, o ajuntamento, levando na frente moçoilas encarregadas de passar os bilhetes da «rifa» e logo a seguir os cantadores, componentes da tocata e o povinho sempre curioso que começava logo a gozar o espectáculo, visto que as cantigas iniciavam-se com a saída do agrupamento. 

Muitas destas tocatas iam desaguar a este Largo em Santa Marta

Percorrida, a pé, a distância entre a cidade e o local da festa, e depois do almoço servido pelo organizador da rifa aos componentes do grupo, começava o desafio entre os dois cantadores que de princípio se estudavam mutuamente com vista à escolha do tema a discutir por meio de versos nem sempre bem medidos, mas em geral de construção harmonizada com a música.

Os mirones apaixonados que constituíam a assistência ao espectáculo iam surgindo de todos os lados, e, formando roda, afinavam bem as orelhas para não perderam pitada das cantigas que, ora baixo, ora alto, eram soltadas pelos cantadores. 

Horas e horas se sustentava a luta até que por acordo dos interessados tudo acabava em bem, mas ouvindo-se sempre os comentários dos presentes à actuação dos cantadores, apreciando cada um e a seu modo o seu trabalho naquele dia. 

O taberneiro, esse começava a fechar as portas do estabelecimento bendizendo o apuro que fizera com a «rifa», que não tinha sido nada mau. Nisto se resumiam esses acontecimentos aldeãos que outrora se realizavam quase todos os domingos do ano e que agora não vemos há muito por ter aparecido melhor distracção, como futebol, cinema, televisão, etc. 

Pena foi que tal acontecesse, pois essas realizações tinham o seu quê de regionalismo, de vida da aldeia.

Para finalizar diremos que entre os cantadores de que falamos houve alguns de grande fama.  

Uns já morreram infelizmente. 

No rol dos desaparecidos, figura o nome de Luís da Costa, por alcunha o MULATO, cantador muito conhecido destas redondezas pelas deslocações que fazia, também nos é grato lembrar o nome de Joaquim Coelho Dias, bom penafidelense conhecido entre nós por «Quinzinho das Lages», visto ter estado muito tempo como caseiro da Quinta das Lages, propriedade do Senhor Visconde de Vilarinho da S. Romão. 

O nome deste cantador correu fama em toda a região nortenha pelas suas boas actuações nas «rifas» e outros espectáculos que foram então levados a efeito e para os quais era sempre convidado. 


Nesses recuados tempos existiram ainda, por estes sítios, outros cantadores, corno António Pereira, de Pedrantil - Croca, Alberto Peixoto, de S. Mamede de Recesinhos e a célebre Maria Bicheira, que até tem discos gravados de algumas das suas cantigas, tal como o Quinzinho das Lages. 

Do aludido cantador MULATO, homem de rara habilidade na maneira de actuar, são os versos que vamos reproduzir e que foram ouvidos numa «rifa» realizada algures e na qual teve como adversário o já referido Alberto Peixoto, que no debate, fazia de «caçador», sendo o MULATO a «lebre». 

Reparem na perfeição com que o assunto posto em discussão era tratado pelos contendores, sobretudo pelo MULATO. 

Cantava o MULATO (Lebre) para o Peixoto (Caçador); 

«Quantas vezes te hei-de ir comer,
As couves da tua horta;
E tu me há-des ir atirar,
Aos tiros mesmo da porta;
E eu, por aquela serra acima,
Aos saltos como um cabrito,
Por não me poderes matar,
Ficas todo aflito».,

E pronto, restam-nos estas lembranças, para que os vindouros saibam que por aqui, também havia um outro cante.