07 junho 2017

HOMENAGEM AO DR. JOAQUIM COTTA

HOMENAGEM 
AO 
DR. JOAQUIM COTTA



Joaquim de Araújo Cotta, nasceu na cidade de Penafiel a 4 de Abril de 1873, e faleceu a 12 de Setembro de 1957.



O Dr. Joaquim Cotta, desempenhou vários cargos, de entre os quais destacamos:

  • Director da Escola Primária Superior do Porto, criando o curso nocturno em Penafiel.
  • Director da Casa Hospício, que funcionou na Av. Egas Moniz, então Rua Formosa.
  • Médico e Director Clínico do Hospital da Misericórdia de Penafiel (1929 – 1952)
  • Presidente da Câmara de Penafiel (1919)
  • Leccionou no Colégio do Carmo em Penafiel (1921 - 1926)
  • Governador Civil do Porto 

     
Sábado, 19 de Outubro de 1974, o Salão Nobre da Câmara Municipal de Penafiel, abriu-se de par em par para receber os Srs. Dr. Mário Cal Brandão, Governador Civil do Distrito do Porto, o Professor Ruy Luís Gomes, Reitor da Universidade do Porto, que se faziam acompanhar de suas esposas, e outras individualidades, figuras destacadas da vida concelhia, médicos, advogados, clero, e o povo anónimo que também marcou presença.



Os senhores Dr. Armando Cotta, seu irmão José Cotta, seus familiares, famílias ligadas ao homenageado, ou das suas relações, entre as quais podemos referir: Cesário Bonito, pessoa que serviu como secretário do dr. Joaquim Cotta, quando Governador Civil do Porto, Engenheiro António Resende, Dr. João Resende, Eng.º Teixeira Pinto, António Maximiano Silva, Dr. Júlio Semedo e esposa, António Guedes e família, Drs. Abílio e Antero Moreira, Eng.º Bazílio Jorge e esposa, D. Maria Adelina Costa, Eng.º Manuel Babo, Dr. João Pinto Ferreira, José Menezes (Cabanelas), Dr. Henrique de Almeida, eo Sr. Manuel Mota de Lousada.



A mesa que se formou na Câmara era constituída pelas seguintes individualidades: Dr. Cal Brandão, Governador Civil do Porto, que presidiu e que tinha à sua direita o Professor Ruy Luis Gomes, Dr. Luís Guedes, e o Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Penafiel , Dr. Guy Falcão, e à sua esquerda a senhora D. Constança Cotta, filha do homenageado, Pároco da cidade Padre Albano Ferreira de Almeida, Dr. Rodrigues dos Santos.

Guy Falcão - Foto cedida por Beça Moreira


Dr. Guy Falcão foi o primeiro orador e deu as boas vindas aos ilustres visitantes:

Minhas Senhoras

Meus Senhores



A vinda cá do Senhor Governador Civil e do Senhor Reitor da Universidade do Porto, é motivada por um acto de justiça que a cidade e concelho de Penafiel vão prestar dentro em breve a um dos seus filhos mais ilustres.



Antes de se efectivar esse acto de justiça, nós, Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Penafiel, quisemos receber na sala de visitas da cidade que é este Salão Nobre, as individualidades que nos visitam hoje pela primeira vez.



Este dia será um dia importante para a história da cidade e do concelho terão tido a oportunidade de receber tão ilustres visitantes como aqueles que estão agora aqui perante nós: o sr. Dr. Cal Brandão e o sr. Professor Ruy Luís Gomes. Portanto, para nós este dia será realmente um dia histórico dado que para além de termos de prestar, com inteira justiça, um acto que de há muito já Penafiel deveria ter prestado que, a homenagem ao Dr. Joaquim Cotta, para além desse acto, temos também a oportunidade muito rara, na história do concelho, de albergar pessoas distintas do ponto de vista técnico, do ponto de vista científico e sobretudo, do ponto de vista humano, do ponto de vista democrático.



Portanto, Penafiel deve ter orgulho hoje por duas posições históricas que a cidade vive: um acto de justiça e o poder albergar personalidades da estirpe das que hoje honraram a cidade e o concelho.



Em nome da cidade e do concelho de Penafiel, em nome da Comissão Administrativa , suponho que interpretando os sentimentos de 50.000 mil habitantes deste concelho, eu quero agradecer a Vossas Excelências a vinda cá, e podem ter a certeza de que Penafiel saberá interpretar, estou convencido disso, tudo aquilo que o 25 de Abril veio proporcionar de alegria, de democracia de bem estar para o povo português.



Muito e muito obrigado.

Cal Brandão

Seguidamente tomou a palavra o Dr. Cal Brandão, Governador Civil do Porto.



Senhor Reitor da Universidade

Senhor Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal

Senhor abade de Penafiel

Minhas senhoras e meus senhores

Não podia de modo algum deixar de estar presente a esta homenagem que se presta a um Governador Civil do Porto, da Primeira República, não podia, como disse, deixar de estar presente o primeiro Governador Civil da segunda República, deste mesmo distrito.

É um acto de justiça, mas além de ser um acto de justiça prestado ao antigo Governador Civil da primeira República, é um acto de justiça prestado ao cidadão íntegro, ao homem digno que foi o Sr. Dr. Joaquim Cotta.



Além das qualidades morais que melhor do que eu V. excelências todos conhecem, eu tenho que ressaltar as qualidades do democrata ilustre que foi e de resistência à tirania e ao fascismo que dominou o nosso país durante quarenta e oito anos.


Conheci o sr. Dr. Joaquim Cotta nesta cidade. Suponho que foi mesmo a primeira vez que vim a Penafiel, e vim aqui numa das diligências que fazíamos na luta contra o fascismo.

Acolheu-nos ali na sua casa e passou a colher-nos mais vezes, sempre que necessitávamos da sua atitude perante a ditadura, ele estava sempre disposto a oferecer-se para este combate. E sempre que era precisa a sua assinatura para juntar a outras, com o risco que naqueles momentos todos corríamos, nunca o sr. Dr. Joaquim Cotta deixava de ser dos primeiros a assinar os documentos que se tornavam necessários apresentar ás autoridades então vigentes.


Recordo-me portanto muito, bem disso, e é para mim muita honra coincidir a minha primeira visita a este concelho, como referiu o Presidente da Comissão Administrativa, cujos cumprimentos eu lhe agradeço, com a justíssima homenagem que todos nós estamos a prestar à memória do sr. Dr. Joaquim Cotta.

Eram estas breves palavras que eu tinha a dizer.



Para o leitor compreender melhor a carta que se segue, acontece que tendo Sidónio Pais tomado o poder em Dezembro de 1917, através de um insurreição armada e destituindo o governo de Afonso Costa, muitos democratas portugueses foram presos e deportados, entre os quais Joaquim Cotta.

De seguida Cal Brandão pediu licença para ler uma carta dirigida ao sr. Dr. Armando Cotta filho do homenageado pelo amigo Artur Santos Silva, e que refere um episódio das lutas políticas e nas quais interveio o Dr. Joaquim Cotta e de que ele, Dr. Artur Santos Silva, foi testemunha e que por ser um documento de interesse, eu pedi ao Dr. Armando Cotta para ler a Vossas Excelências e, segundo era, a vontade também do próprio signatário.



Meu caro Armando



Estou a braços com as maleitas de uma gripe que me arrastaram já três vezes para a cama. Os 64 anos vão-me pesando e agora dizem-me que preciso de ter redobrados cuidados com estas gripes que dantes se curavam a pé.



Escrevo-te por ter conhecimento pelo Andrade, que amanhã vão prestar uma homenagem ao teu ilustre pai, esse velho cidadão que conheci nos anos trinta numa prisão de Lisboa, cuido que o Aljube, para onde fora também enviado meu pai.



Esses encarceramentos, segundo os governantes, faziam-se em nome do bem comum.



Recordo que sem qualquer processo, os democratas eram enviados para terras distantes, em barcos, com cartas de prego. Os familiares dos presos não eram avisados do dia da partida e no cais de Alcântara, nos juntávamos todos, quando sabíamos que partiam barcos para as colónias e para as ilhas, para saber quais os que partiam, e lhes dizer o nosso adeus.



Recordo-me que um dia, que com minha mãe, fui visitar meu pai e soubemos que o seu Dr. Joaquim Cotta, tinha inesperadamente seguido com a leva de presos desse dia, só com a roupa que levava no corpo.



Como soubéssemos que a lavadeira da prisão tinha no momento que lá chegamos, algumas peças de roupa que teu pai mandara lavar, partimos para o cais de Alcântara, imediatamente, para ver se chegávamos a tempo de lhe as entregar.

Aconteceu que, precisamente, no momento em que o barco se deslocava do cais, chegamos nós. Olhamos para o teu pai que estava na amurada do navio, desanimado. Por não poder cumprir a nossa missão, manifestamos o nosso desgosto.



É então que um marujo que está junto de nós, pegou na trouxa da roupa e a lançou com uma perícia invulgar para o local em que o teu pai se encontrava.

Minha mãe, que conheces-te, era uma pessoa de temperamento bravo, e ficou revoltada. Resolveu ir comigo ao Ministério do Interior protestar.



Deparou-se-lhe um oficial, do exército cheio de medalhas, sentado num cadeirão, a quem expôs o caso, declarando-lhe que não era razoável que os presos políticos partissem para terras distantes sem as famílias serem previamente advertidas.


Teu pai, penso que não teve qualquer familiar a despedir-se dele.



O homem era o coronel Pestana Lopes, criatura mal educada e tratou desrespeitosamente, com ar despropositadamente enfurecido.

De repente, deu a entender à minha mãe, com presteza, que a conferência acabara.



Esta muito friamente, virou-se para o espantalho e disse-lhe:

Já sei, pela maneira como trata uma mulher, que ganhou essas medalhas todas pelas secretarias”.



De seguida, pegou-me na mão, eu era um rapazito, virou as costas ao marmanjo e saiu.

Ainda olhei para a cara do herói e vi que ficou com a cara vermelho-negra, apoplético, mas não fez nada.



Era interessante contar esta história na homenagem a teu pai para que esta gente de hoje saiba quanto era a intolerância e a impiedade naquele tempo.

Teu pai combateu até ao fim sem temor das brutalidades dos governantes, arriscando tudo pelos seus ideais.



Foi um homem político, sem mácula e sem mancha que deixou atrás de si o exemplo de uma conduta própria de um carácter de eleição.

Tive muita alegria em saber que Penafiel homenageará como deve um dos seus filhos muitos ilustres.



Um abraço a teu irmão e para ti do velho amigo



Artur Santos Silva

Acabada que foi descrita a cerimónia da homenagem prestada no Salão Nobre da Câmara Municipal de Penafiel, na próxima semana falaremos da inauguração das placas da rua com o seu nome e da romagem ao cemitério de Penafiel.