24 maio 2017

BACALHAU À GOMES DE SÁ

BACALHAU À GOMES DE SÁ



Hoje vou falar de um prato tradicional da cozinha portuguesa e que dá pelo nome de “Bacalhau à Gomes de Sá.



Este prato foi criado pelo portuense José Luís Gomes de Sá Júnior, que nasceu a 7 de Fevereiro de 1851, na Rua Cimo do Muro, N.º 114 que viria a ser mais tarde chamada de Rua dos Bacalhoeiros, na freguesia de S. Nicolau na cidade do Porto, tendo falecido a 31 de Janeiro de 1926.

É um prato de muito impacto em todo o território português bem como no Brasil, herança cultural das povoações do Norte de Portugal.

Por essa razão, o Cônsul do Brasil no Porto, em 1988, João Frank da Costa, decidiu homenagear o criador da receita mandando colocar uma placa na parede da casa onde nasceu, na Rua do Muro dos Bacalhoeiros.





Negociante num armazém do “Fiel Amigo”, sediado na Rua do Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira do Porto, começou por experimentar receitas e aperfeiçoar outras, cozinhando de várias maneiras o bacalhau.





De experiência em experiência, chegou àquela que lhe imortalizou o nome.

Convidou para um almoço vários amigos de paladar apurado e as respectivas esposas para se pronunciarem sobre o saboroso prato.

Escusado será dizer que foram estas senhoras que melhor propaganda fizeram e o Bacalhau à Gomes de Sá, ganhou fama, e não se falava noutra coisa na cidade invicta e arredores.



Foi então que começou a caça a tal receita. Muitas perguntas foram formuladas ao Gomes de Sá sobre a maneira de cozinhar tal prato, mas ele sempre respondia: “ Com batatas, ovos, bacalhau e bom azeite. As especiarias não contam”.

Como o autor não divulgava a receita, logo surgiram várias ideias para a obter.

Uma das convidadas de um dos almoços era da freguesia de Galegos, do concelho de Penafiel. Esta depois de várias trocas de impressões com as outras cinco senhoras presentes, disse-se convencida que o Gomes de Sá a ninguém dava a receita, mas haver necessidade de lha arrancar, custasse o que custasse. A ela já lhe havia ocorrido um ardiloso truque, mas para lhe dar execução, carecia de parecer e colaboração das suas cúmplices.

“Sabemos que o Gomes de Sá é solteiro. Igualmente sabemos que nele também a Natureza deve reclamar os seus direitos! Andando faminto de amor é crível que a troco de um “jeitinho” alguma senhora lhe apanhe a almejada receita. Mas onde encontrar a senhora, jeitosa e livre, viúva ou solteirona que a isso se preste? De outra maneira julgo-o muito difícil”.

Se ao início esta artimanha era segredo das seis senhoras, meses depois teve conhecimento o dono do Restaurante Lisbonense, da Rua Sá da Bandeira, a quem também muito interessava esta descoberta.



Casado com uma senhora muito bem relacionada nos concelhos de Paredes, Penafiel e Amarante, para lá enviou a esposa com a difícil missão de encontrar, não uma mas três raparigas que aceitassem ir ao Porto num determinado dia, sendo preciso, lá ficar uma temporada a que viesse a ser escolhida.

Em Paredes foi seleccionada uma na sede do concelho, em Penafiel, uma da freguesia de Peroselo, e em Amarante na da Madalena.

Um ano depois o retoque e o estado do plano estava concluído.

E num belo dia, Gomes de Sá, quando menos o esperava recebeu no seu armazém três amigos a quem devia alguns favores, em especial a um tal Bernardo da Silva Dâmaso.


Estes dirigiram-se-lhe da seguinte maneira:

“Um de nós pretende dar um almoço que marque. Desejamos que dele conste o prato de que no Porto muito se fala e poucos conhecem. Só tu o sabes fazer e não divulgas a receita, o que não te censuramos. Mas, pedimos-te que aceites ir fazer esse prato a casa de um de nós àquela onde te sentires mais à vontade para isso.

É que além de nos ser muito agradável saborear o prato da tua autoria, temos ainda para esse almoço dois convidados de Lisboa, e pretendemos que eles regressem à Capital a reconhecer que o Porto até na Arte Culinária dá lições a Lisboa.”

Gomes de Sá aceitou e agradeceu o convite, em casa do Dâmaso mas condicionou-o a que nesse dia, na cozinha, todos teriam que lhe obedecer. E nisso se aceitou. A dona de casa onde o almoço ia ser servido, conhecedora do truque inicial e do que estava em marcha, rejubilou.

Escolhido o dia para esse almoço, vieram, com uns dias de antecedência, de Paredes, da freguesia de Peroselo e da Madalena as três convidadas para ele. E logo que elas chegaram ao Porto uma das melhores modistas da cidade Invicta foi chamada ao Restaurante Lisbonense, onde as três se hospedaram, e encarregada de para cada tipo de rapariga escolher o tipo de vestido que ela julgasse mais provocante.

Gomes de Sá, na véspera, depois de informado da hora marcada para o almoço disse à esposa do seu amigo para mandar ao seu armazém buscar vinte postas de bacalhau, Estas escolhidas por ele, estariam já cozidas com igual número de ovos e batatas correspondentes quando ele chegasse no dia imediato.

Ultimaria o seu prato e em seguida almoçar-se-ia, e disse-se convencido que tudo havia de correr bem.

Porém, à hora marcada, quando ele entrou na cozinha começou por perguntar onde estava tudo o que precisava. E depois de informado pediu à dona da casa para se retirar, pediu-lhe licença para fechar a porta da cozinha e só apareceu quando o seu prato já estava nas travessas, como ia ser servido.

O prato Gomes de Sá atingiu nesse almoço o seu ponto culminante. Havia entre os convivas, dois júris. Um feminino e outro masculino, encarregados de observar o Gomes de Sá nas suas respostas ás três convidadas. Estas, graças àquela intervenção da modista do Porto, apresentaram-se como senhoras de distinção. E no final, os dois júris, reunidos em conferência, acordaram em ter sido a rapariga de Peroselo quem mais o interessou.

Eis porque no dia seguinte as de Paredes e da Madalena regressaram despeitadas às suas terras. A de Peroselo ficou no Porto e ainda nessa tarde se apresentou a Gomes de Sá, pedindo-lhe a receita do seu prato, pedido este que repetiu nos dias seguintes com muito empenho. E da assiduidade desses pedidos surgiu o galanteio que ela soube provocar e foi graduando metodicamente, mas sempre sem perder a compostura, como hoje se diz.

A verdade, é que quando claramente convidada a ceder aos rogos de quem a requestava, ela soube condicionar a sua entrega. Cederia sim, mas só depois dele ir ao Restaurante Lisbonense fazer o seu prato na presença dela e do sr. João dono do Restaurante Lisbonense. O detentor da receita ainda quis resistir, mas, a elegância e linhas airosas dessa rapariga venceram-no.


Escusado será dizer que o Sr. João do Restaurante Lisbonense foi quem mais lucrou com a receita, que a princípio também não divulgou, pois com ela passou a fazer muito bom negócio. Só mais tarde, de acordo com o autor, ela foi publicada num livro de culinária, que rapidamente se espalhou por todo o País.

O resto adivinha-se. E cerca de dois meses depois ela regressou a Peroselo, mas vinha ao Porto de vez em quando.

Em 1 de Abril de 1882, deu à luz uma robusta criança do sexo feminino que na Pia Batismal recebeu o nome de Adelaide, que as rivais da mãe (as duas raparigas de Paredes e Madalena), logo alcunharam de “Filha do Bacalhau à Gomes de Sá”.

Esta, ao saber haverem-lhe alcunhado a filha de “Filha do Bacalhau à Gomes de Sá”, sofreu com isso grande desgosto. Quando Adelaide contava cinco anos, mãe e filha desapareceram de Peroselo, sem que ninguém soubesse o seu paradeiro.

Só ao fim de muitos anos, foram vistas nos arredores de Figueiró dos Vinhos.

A terminar, direi haver motivo para os penafidelenses se sentirem satisfeitos, por se dever a uma sua conterrânea a obtenção da receita deste pitéu que dá pelo nome de Bacalhau à Gomes de Sá.


E já agora, como estamos em pré campanha eleitoral, e como todos nós sabemos do que são capazes os políticos da nossa praça, devemos desvalorizar as promessas do tipo:

“Com nós no poder haverá “bacalhau a pataco”, embora nos tempos que correm, todos sabemos que isso não passa de "paleio fiado".