08 fevereiro 2015

DUO OURO NEGRO



DUO OURO NEGRO

 
O Duo era formado por:

Raul Indipwo e Milo Mac-Mahon

Raul Indipwo, Raul José Aires Corte Peres Cruz nasceu na Chibia, província da Huíla, em 1933. Aos 6 anos aprendeu piano, em Benguela e na Caála, Huambo, com as professoras Cândida Guimarães e Dona Ofélia. Raul Indipwo recebeu as primeiras lições de violão e pintura com a mãe, Arsénia da Corte Perez Cruz.

Milo Mac-Mahon, Emílio Vítor Caldeira Mac Mahon Vitória Pereira,  nasceu no dia 3 de Maio de 1940, na cidade do Lubango. Solista da Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, em Benguela. 

Raul Indipwo visita, em 1955, a cidade do Uíge, convidado por um amigo, e reencontra Milo Mac-Mahon Victória Pereira, um velho companheiro com quem havia partilhado a infância em Benguela, facto que se transformou no motivo da formação do Duo Ouro Negro.

A irmandade musical e o contra canto harmónico, das vozes de Raul Indipwo e Milo Mac-Mahon, decorreram de forma natural e cedo o duo foi granjeando a simpatia nos locais de festa e de convívio juvenil, na cidade do Uíge.


Durante o programa comemorativo do aniversário da Emissora Oficial de Angola, em 1956, as rádios locais enviaram programas especiais para Luanda. 

Foi então que a Maria Lucília Pita Grós, locutora da rádio Uíge, abriu com as seguintes palavras o programa: 

“Angola é muito rica em ouro negro, que brota espontaneamente do chão e das minas, mas desta vez o ouro cintila das vozes de Raul e Milo” – assim surgiu a adopção da designação, “Ouro Negro”, na primeira fase, e depois, de forma definitiva, Duo Ouro Negro, em 1959.

Reconhecidamente influenciado pelo conjunto Ngola Ritmos, o Duo Ouro Negro só veio a conhecer, de perto, o grupo de Liceu Vieira Dias, em 1956. 

A primeira aparição apoteótica do Duo Ouro Negro aconteceu no Cinema Restauração, em Luanda, em Julho de 1957, num espectáculo vivamente aplaudido pelo público e foi o prenúncio de uma fulgurante carreira repleta de êxitos sucessivos.


Os dois primeiros discos, gravado em 1959, contaram com a colaboração do brasileiro Sivuca e do seu conjunto. “Muxima”, o clássico angolano revitalizado pelos Ngola Ritmos, traduzido em língua portuguesa e “Kuricutéla”, uma composição de Raul Indipwo baseada no cancioneiro Tchokwe, são alguns dos temas. 


O terceiro disco, onde foram acompanhados por Joaquim Luís Gomes, foi gravado no início de 1961. Foi nesta altura que interpretam o tema, “Tala ó mbundo” (olha o preto), canção que retracta as desigualdades sociais dos angolanos, baseada na raça por hierarquias- branco, mulato e preto. Traduzida do cancioneiro popular luandense, “Tala ó mbundo” foi considerada uma canção subversiva pela censura colonial da época. Raul Indipwo defendeu-se, dizendo que “era pura e simplesmente a realidade”. 

Daí a polícia política não poupou esforços em intimar o duo a prestar declarações sobre os reais intentos do Ouro Negro e do eventual sentido político da canção “Tala ó mbundo”.

A internacionalização do Duo Ouro Negro começa em 1959, quando o empresário cinematográfico Ribeiro Belga, motivado pela impressão com que ficou depois de ter assistido a um concerto do duo, em Lourenço Marques (Maputo), o convidou a realizar um espectáculo na cerimónia de inauguração do Cine Teatro Roma, em Lisboa. Daí foram surgindo sucessivas digressões do duo a Espanha, Suécia, França, China e Rússia, convidado pelo famoso palhaço Popov, Finlândia, Japão, na Expo-70 de Osaka, e América Latina.


Seguindo a “onda” dos ritmos de dança como o twist, o madison, o surf e muitos outros, o Duo Ouro Negro lança o kwela, que rapidamente se transformou numa moda, sendo considerado o ritmo do Verão em 1965. Na realidade, o kwela mais não era que uma dança ritual da tradição africana, que em dialecto zulu quer dizer flauta. A nova moda pegou e, para a cena europeia, representava uma novidade encantadora. Paris rendeu-se ao kwela e a Europa também.

O Duo Ouro Negro conhece, em 1966, um dos pontos mais altos da sua ainda recente carreira, ao actuar no Olympia e no Alhambra, em Paris. E no ano seguinte, naquela que pode ser considerada uma das mais elevadas distinções do grupo, actuam na Sala Garnier da Ópera de Monte Carlo para os Príncipes do Mónaco, por ocasião das comemorações do IV Centenário do principado. 


Ainda nesse mesmo ano, são galardoados em Portugal com o Trofeu da Imprensa. O Olympia de Paris transforma-se numa sala talismã para o Duo Ouro Negro. Em 1967, a sala acolhe-os durante três semanas em Maio e outras três em Outubro. Repartem estas actuações com espectáculos em diversas televisões europeias.

O Brasil é outro dos palcos da actuação dos dois angolanos nesse mesmo ano de 1967, com recitais no teatro Cecília Meireles e no Canecão. Neste ano de ouro para o Duo Ouro Negro acontece, ainda, no programa da RTP de coroação da Rainha da Televisão de 1960. Regista-se uma verdadeira consagração, ao actuarem no Rendez-Vous avec Danny Kaye, o espectáculo de comemoração do 20º aniversário da UNICEF, transmitido de Paris para mais de 200 milhões de telespectadores.

“Figuras fulgurantes do music-hall não apenas em Portugal mas por toda a Europa onde os escutam e enlouquecem”, de acordo com uma revista da época, Raul e Milo conhecem a partir de 1968, uma segunda fase da sua carreira. 

Em 1970 acontece a primeira digressão pela Austrália e Estados Unidos, constituída por 43 concertos em universidades e teatros de 37 Estados americanos. Ao conquistarem o Canadá e, depois, os Estados Unidos, internacionalizam as suas músicas a uma escala mais larga. Em Chicago assinam um contrato com a Columbia Artists Management e, depois de um breve regresso a Portugal e a África, brilham no Waldorf Astoría, em Nova Iorque. 

Também a América Latina foi palco de dois espectáculos do Duo Ouro Negro, no teatro Maipu, de Buenos Aires, a par de quatro espectáculos televisivos e do lançamento do LP Ouro Negro Latino. O cosmopolitismo do grupo não pára e uma longa digressão ao Japão consolida o seu prestígio em terras do Oriente.


Em 1969, Raul Indipwo começa a escrever a peça “Blackground”, na Argentina. “Blackground” (campo negro) é uma representação teatral sobre a origem da música africana, metaforizada pela origem e formação dos rios.

África, conta Raul Indipwo, era árida e seca, e a Xituta ou Iemenjá foi parida pelos deuses. Ela sentiu-se só e os deuses deram-lhe um filho, que ela pariu pelo umbigo, e chamou-se Rio. O filho que cresceu, atravessou a África, foi desaguar no mar e abriu os braços que se ramificaram. Cada ramificação representou um filho novo, com o de nome: Missouri, Amazonas, Mississipi e Rio de La Plata.

Com a primeira árvore nascida em África, um imbomdeiro, Iemenjá fez uma grande canoa e nela alojou todas outras vozes que desciam de outros rios: o Congo, o Niger, o Nilo, o Zambeze, o Zaíre e o Kwanza e disse: tu és o meu filho, o homem africano, que partiu, pelo rio de Iemenjá, cantando a canção da esperança com o coração representado por uma grande maraca: não te esqueças, não te esqueças “Blackground”… e assim termina a peça.


A morte do Milo Mac-Mahon, ocorrida no dia 20 de Janeiro de 1985, abalou profundamente Raul Indipwo, o que provocou o fim do duo. Nesse mesmo ano Raul pretendia levar a peça Blackground à Broadway. Raul afasta-se dos palcos, durante cerca de dois anos. “Não deixem morrer a imagem do ‘Duo Ouro Negro’”, aconselhava, consternada, Anália Victória Pereira Mac-Mahon, irmã de Milo.

Raul Indipwo, desta vez a solo, renasce com os “Irmãos Verdade” e o “Grupo Raízes”, cantando em Conacry, Dakar e Lagos e participa no FENACULT (1987), em Luanda. Grava “Meninos de oiro” (1989) e “Sô Santo” (1997) e cria a Fundação Ouro Negro, em homenagem a Milo, instituição filantrópica, vocacionada para o apoio profissional e artístico da juventude, tendo acolhido, em Lisboa, membros do conjunto Afra Sound Star e os Jovens do Hungo.

Raul Indipwo comemorou os 50 anos de carreira, no dia 23 de Maio de 2005, com Bonga, Marisa, Luís Represas e Pedro Jóia. 

Nostálgico e decidido a viver definitivamente em Angola, Raul Indipwo faleceu no dia 4 de Junho de 2006, vítima de um linfoma em estado muito avançado. 


Com a sua morte, terminou um dos capítulos mais impetuosos da história da música angolana, marcado por um impressionante legado artístico e discográfico.

Vamos recordar o Duo Ouro Negro, nesta actuação magnífica em 1984, onde Raul e Milo apresentam o álbum "Aos Nossos Amigos", que viria a ser o seu último disco de originais. 

Dele vamos ficar com a canção; “Camisa de amigo”. 




- Bom domingo!