O TEATRO PENAFIDELENSE
NO
RECREATÓRIO NASCEU
O TEATRO PENAFIDELENSE
Recreatório de frente à Igreja Matriz |
Quando daquela casa que
nós conhecemos por Recreatório, saiu o hospital e o albergue para o extinto
convento de Santo António dos Capuchos, por iniciativa do então provedor
Zeferino Máximo da Silva Pereira, começou-se a pensar transformar este espaço
num templo de Arte.
Depois de arrendada a
casa à Santa Casa da Misericórdia de Penafiel, deitou mãos à obra o Dr. Rodrigo
de Beça, homem conhecido no mundo das letras pelo pseudónimo de Padre Serapião
d’ Algures.
Com o começo das obras
materiais, deu-se início à elaboração dos estatutos da Sociedade Phylo-
Dramática Penafidelense, em cujo 2.º artigo dos mesmos, estabelecia que a
selecção das peças dramáticas só poderia recair sobre aquelas que reunissem a
mais sólida moral, e que fossem indiferentes às opiniões políticas do país.
Ficando desta forma,
assegurado a perversão dos costumes que avassalam as sociedades modernas.
A única actriz que
fazia parte do grupo, era a senhora dona Emília Augusta das Neves, pelo que
havia quem se apresentava em cena com o travesti de mulher, quando era preciso
como era o caso do Dr. Coriolano de Freitas Beça, mas também o irmão padre
Alfredo, como o padre José Carlos e ainda o padre António Ferreira que foi
empolgante orador e morreu com visos de santidade.
Nas noites de
espectáculo os camarotes e a plateia regurgitavam de espectadores, onde marcava
presença as famílias mais distintas da sociedade de então.
As damas sabiam
imprimir todo o requinte de elegância, deixando entontecer com a magia dos seus
sorrisos, que se lhes desabrochavam das almas puras em nimbos de luz celeste,
os peraltas que em êxtases as contemplavam.
No ano de 1844, nascia o
pequeno Teatro Penafidelense.
Porta de entrada no Quelho do Abade |
O palco nesse tempo
ficava do lado da Rua Direita, sendo a entrada das damas e cavalheiros pelo
carreiro do Quelho do Abade, que sempre que havia representação, era iluminado
por candeeiros para evitarem tropeços ao longo do seu piso irregular e
incómodo, enquanto os actores e actrizes entravam pela porta principal, ao
contrário de quando nós o conhecemos.
A obra - mater do
teatro histórico português Frei Luís de Sousa, esse drama que Almeida Garrett
escreveu em 1843, foi levada à cena pela Sociedade Phylo-Dramática
Penafidelense no dia do Corpo de Deus de 1854, ou seja a 15 de Junho, sendo
muito aplaudida.
Vitorino Costa no papel
de Romeiro, e com tal arte e relevo proferiu aquele célebre “Ninguém”, com que
responde a Frei Jorge Coutinho, apontando o bordão para o retrato de D. João de
Portugal, que a plateia aplaudiu calorosamente de pé.
No final de cada
apresentação, em todos os lábios brincavam sorrisos e em todos os olhares se
repercutia um estado de alma de inefável contentamento.
A Sociedade
Phylo-Dramática Penafidelense parece haver declinado em 1854, porquanto em
Novembro desse ano, o conselheiro Luís Venâncio Carneiro de Vasconcelos,
Rodrigo Xavier Pereira de Freitas Beça, José Feliciano Vaz Pinto de Veiga e a
Comissão Administrativa do Teatro Penafidelense, requereram à Santa Casa da
Misericórdia a desobrigação de pagamento de renda que sobre ele incidia da
importância de oito mil reis, tomado de trespasse a João José Barbosa,
primitivo foreiro o que a respectiva Mesa deferiu em sua sessão de 20 de
Novembro, resolvendo por a casa do Teatro novamente em praça para ser arrendada
a quem por ela, mais desse.
A resolução tomada foi
entregar a casa à senhoria, que era a Misericórdia.
Recreatório nos dias de hoje. |
Regressado do Brasil em
1855, João Alves de Almeida Araújo, natural desta cidade, iniciou em 1857 a
reconstrução do teatro (Recreatório), que passou a ser como hoje o conhecemos,
com o palco do lado do quelho, e a entrada dos espectadores a ser feita pela
porta virada para a igreja Matriz.
Para acudir às despesas
com a reforma do teatro, emitiram-se acções de dois mil reis, sem juro, que
muitos subescritores tomaram sem outro interesse que o de verem realizado um
projecto que a todos igualmente animava. Com o mesmo objectivo realizou-se um
espectáculo com o drama “O Homem de Mármore”.
Logo que foram
concluídas as obras, houve espetáculo de gala com a peça “O Cativo de Fez”.
Interior do Recreatório |
E assim nascia a
Sociedade Dramática Penafidelense, com novos estatutos, elaborados pelos seus
mentores, Sebastião Pereira de Almeida Borges, Joaquim Pacheco Ribeiro Nunes,
Bernardino José de Melo, Abílio Aires Freitas Lobo e Beça e Maximiano Dias de
Castro.
É com esta Sociedade
Dramática Penafidelense, que se vai passar um diferendo com o Administrador do
Concelho e o público do teatro retratado nesta caricatura.
Caricatura do diferendo entre o Administrador e o público. |
Nem sempre a malfadada
política se conservou estranha a estes divertimentos. Assim o comprova o
documento que segue, originado por uma violência da autoridade administrativa,
proibindo o espectáculo de 1.º de Dezembro de 1861. É um protesto dirigido ao
Governador Civil, do Porto, no qual é narrado o incidente com os precisos
pormenores.
A V. Ex.ª como
autoridade superior do Distrito recorre a reputação composta dos abaixo
assinados, e encarregada pelos sócios do teatro particular de Penafiel, de
pedir justiça e reparação contra o abuso de autoridade, praticado pelo
Administrador D. Miguel Vaz Guedes d’Athaíde Malafaia Júnior no dia 1.º do
corrente.
A direcção do teatro
havia destinado a noite deste dia para dar uma récita, e com a devida
antecipação anunciado a representação aos sócios da cidade, e de fora.
À última da hora (cinco
da tarde), procurou o Administrador dois sócios da direcção e disse-lhes:
-
que constando-lhe que tencionavam representar à noute, era sua opinião adiar-se
a representação, porque não tendo a câmara celebrado ainda as exéquias pela morte
do Rei, não podia consentir em semelhantes demonstrações de regozijo público.
Depois de algumas
considerações dos dois membros da direcção, ponderando-se, que depois de
haverem cessado os efeitos da portaria de 12 de Novembro, e achando-se abertos
todos os teatros públicos, não viam que houvesse lei, nem mesmo motivo
plausível, para que se proibisse uma representação particular; a isto porém
retorquiu o Administrador, concluindo:
- Que em todo o caso
proibia que se representasse, mas que estivessem certos que o não fazia por
vingança, ou acinte.
Quando mesmo a direcção
não pretendesse recalcitrar, a ordem do Administrador a despeito da
inconveniência do modo como procedia, decerto que já não tinha tempo de mandar
contra-aviso aos assinantes; e nesta impossibilidade resolveu fazer abrir o
teatro à hora indicada, esperar os assinantes e aí em assembleia geral
comunicar-lhes o acontecido.
Correra a notícia da
proibição; porém um grande número de espectadores apareceram à hora marcada
para o início do espectáculo.
À porta principal do
teatro, encontrava-se o Administrador do Concelho, sem insígnia alguma de
autoridade, mas com toda a força do destacamento de caçador N.º9, estacionado
nesta cidade, comandado pelo subalterno Barros, comparecendo pouco depois o
capitão Tavares para vedar, como efectivamente vedou, a entrada tanto às
senhoras como aos homens, que não fossem actores, ou empregados em qualquer
serviço do teatro.
Foi então, que um dos
assinantes em nome de talvez quatrocentas pessoas, que ali se encontravam,
estranhando tão insólito proceder, pediu ao Administrador explicações de um
acto, que não podia deixar de considerar-se um abuso inqualificável da
autoridade.
O Administrador
respondeu:
“-Não
proíbo o espectáculo, mas vedo a entrada aos espectadores: não tenho de dar
contas de uma medida de polícia senão ao meu superior; e intimo-os para que
retirem e dispersem, para o que empregarei a força até ao extremo:- a lei sou eu!!! “
O mesmo assinante, que
o interrogara, depois de haver verbalmente protestado contra semelhante acto,
convidou a que todos se retirassem, o que todos fizeram.
Peço a V. Exª que com
toda a imparcialidade, aprecie o acontecido no que foi, e no que poderia ser,
se a prudência e a moderação não fosse tanta da parte dos circunstantes, quando
da parte da autoridade foi a provocação e o insulto, defira como julgar de
justiça.
Penafiel 10 de
Dezembro de 1861
Devido a políticas
culturais erradas, que vários executivos camarários foram adoptando, é com
imensa mágoa, que nos dias que correm, em pleno século XXI, constatamos que Penafiel
não tem casa de Teatro, e o Recreatório se encontra em degradação.
1 Comments:
Parabens! Adorei os dados históricos de uma Casa tão importante para os Penafidelenses e que a mim em particular, me trás á memória bons e importantes momentos da minha juventude. Bem haja e sempre que possivel: DÊ-NOS MAIS PENAFIEL! :)
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