19 fevereiro 2013

O TEATRO PENAFIDELENSE



NO RECREATÓRIO NASCEU O TEATRO PENAFIDELENSE

Recreatório de frente à Igreja Matriz

Quando daquela casa que nós conhecemos por Recreatório, saiu o hospital e o albergue para o extinto convento de Santo António dos Capuchos, por iniciativa do então provedor Zeferino Máximo da Silva Pereira, começou-se a pensar transformar este espaço num templo de Arte.

Depois de arrendada a casa à Santa Casa da Misericórdia de Penafiel, deitou mãos à obra o Dr. Rodrigo de Beça, homem conhecido no mundo das letras pelo pseudónimo de Padre Serapião d’ Algures.

Com o começo das obras materiais, deu-se início à elaboração dos estatutos da Sociedade Phylo- Dramática Penafidelense, em cujo 2.º artigo dos mesmos, estabelecia que a selecção das peças dramáticas só poderia recair sobre aquelas que reunissem a mais sólida moral, e que fossem indiferentes às opiniões políticas do país. 

Ficando desta forma, assegurado a perversão dos costumes que avassalam as sociedades modernas.

A única actriz que fazia parte do grupo, era a senhora dona Emília Augusta das Neves, pelo que havia quem se apresentava em cena com o travesti de mulher, quando era preciso como era o caso do Dr. Coriolano de Freitas Beça, mas também o irmão padre Alfredo, como o padre José Carlos e ainda o padre António Ferreira que foi empolgante orador e morreu com visos de santidade.
Nas noites de espectáculo os camarotes e a plateia regurgitavam de espectadores, onde marcava presença as famílias mais distintas da sociedade de então.

As damas sabiam imprimir todo o requinte de elegância, deixando entontecer com a magia dos seus sorrisos, que se lhes desabrochavam das almas puras em nimbos de luz celeste, os peraltas que em êxtases as contemplavam.

No ano de 1844, nascia o pequeno Teatro Penafidelense.

Porta de entrada no Quelho do Abade

O palco nesse tempo ficava do lado da Rua Direita, sendo a entrada das damas e cavalheiros pelo carreiro do Quelho do Abade, que sempre que havia representação, era iluminado por candeeiros para evitarem tropeços ao longo do seu piso irregular e incómodo, enquanto os actores e actrizes entravam pela porta principal, ao contrário de quando nós o conhecemos. 

A obra - mater do teatro histórico português Frei Luís de Sousa, esse drama que Almeida Garrett escreveu em 1843, foi levada à cena pela Sociedade Phylo-Dramática Penafidelense no dia do Corpo de Deus de 1854, ou seja a 15 de Junho, sendo muito aplaudida.

Vitorino Costa no papel de Romeiro, e com tal arte e relevo proferiu aquele célebre “Ninguém”, com que responde a Frei Jorge Coutinho, apontando o bordão para o retrato de D. João de Portugal, que a plateia aplaudiu calorosamente de pé.

No final de cada apresentação, em todos os lábios brincavam sorrisos e em todos os olhares se repercutia um estado de alma de inefável contentamento. 

A Sociedade Phylo-Dramática Penafidelense parece haver declinado em 1854, porquanto em Novembro desse ano, o conselheiro Luís Venâncio Carneiro de Vasconcelos, Rodrigo Xavier Pereira de Freitas Beça, José Feliciano Vaz Pinto de Veiga e a Comissão Administrativa do Teatro Penafidelense, requereram à Santa Casa da Misericórdia a desobrigação de pagamento de renda que sobre ele incidia da importância de oito mil reis, tomado de trespasse a João José Barbosa, primitivo foreiro o que a respectiva Mesa deferiu em sua sessão de 20 de Novembro, resolvendo por a casa do Teatro novamente em praça para ser arrendada a quem por ela, mais desse.

A resolução tomada foi entregar a casa à senhoria, que era a Misericórdia.

Recreatório nos dias de hoje.

Regressado do Brasil em 1855, João Alves de Almeida Araújo, natural desta cidade, iniciou em 1857 a reconstrução do teatro (Recreatório), que passou a ser como hoje o conhecemos, com o palco do lado do quelho, e a entrada dos espectadores a ser feita pela porta virada para a igreja Matriz.

Para acudir às despesas com a reforma do teatro, emitiram-se acções de dois mil reis, sem juro, que muitos subescritores tomaram sem outro interesse que o de verem realizado um projecto que a todos igualmente animava. Com o mesmo objectivo realizou-se um espectáculo com o drama “O Homem de Mármore”.

Logo que foram concluídas as obras, houve espetáculo de gala com a peça “O Cativo de Fez”.

Interior do Recreatório

E assim nascia a Sociedade Dramática Penafidelense, com novos estatutos, elaborados pelos seus mentores, Sebastião Pereira de Almeida Borges, Joaquim Pacheco Ribeiro Nunes, Bernardino José de Melo, Abílio Aires Freitas Lobo e Beça e Maximiano Dias de Castro.

É com esta Sociedade Dramática Penafidelense, que se vai passar um diferendo com o Administrador do Concelho e o público do teatro retratado nesta caricatura.

Caricatura do diferendo entre o Administrador e o público.

Nem sempre a malfadada política se conservou estranha a estes divertimentos. Assim o comprova o documento que segue, originado por uma violência da autoridade administrativa, proibindo o espectáculo de 1.º de Dezembro de 1861. É um protesto dirigido ao Governador Civil, do Porto, no qual é narrado o incidente com os precisos pormenores.

A V. Ex.ª como autoridade superior do Distrito recorre a reputação composta dos abaixo assinados, e encarregada pelos sócios do teatro particular de Penafiel, de pedir justiça e reparação contra o abuso de autoridade, praticado pelo Administrador D. Miguel Vaz Guedes d’Athaíde Malafaia Júnior no dia 1.º do corrente.

A direcção do teatro havia destinado a noite deste dia para dar uma récita, e com a devida antecipação anunciado a representação aos sócios da cidade, e de fora.

À última da hora (cinco da tarde), procurou o Administrador dois sócios da direcção e disse-lhes:

- que constando-lhe que tencionavam representar à noute, era sua opinião adiar-se a representação, porque não tendo a câmara celebrado ainda as exéquias pela morte do Rei, não podia consentir em semelhantes demonstrações de regozijo público.

Depois de algumas considerações dos dois membros da direcção, ponderando-se, que depois de haverem cessado os efeitos da portaria de 12 de Novembro, e achando-se abertos todos os teatros públicos, não viam que houvesse lei, nem mesmo motivo plausível, para que se proibisse uma representação particular; a isto porém retorquiu o Administrador, concluindo:
- Que em todo o caso proibia que se representasse, mas que estivessem certos que o não fazia por vingança, ou acinte. 

Quando mesmo a direcção não pretendesse recalcitrar, a ordem do Administrador a despeito da inconveniência do modo como procedia, decerto que já não tinha tempo de mandar contra-aviso aos assinantes; e nesta impossibilidade resolveu fazer abrir o teatro à hora indicada, esperar os assinantes e aí em assembleia geral comunicar-lhes o acontecido.

Correra a notícia da proibição; porém um grande número de espectadores apareceram à hora marcada para o início do espectáculo.

À porta principal do teatro, encontrava-se o Administrador do Concelho, sem insígnia alguma de autoridade, mas com toda a força do destacamento de caçador N.º9, estacionado nesta cidade, comandado pelo subalterno Barros, comparecendo pouco depois o capitão Tavares para vedar, como efectivamente vedou, a entrada tanto às senhoras como aos homens, que não fossem actores, ou empregados em qualquer serviço do teatro.

Foi então, que um dos assinantes em nome de talvez quatrocentas pessoas, que ali se encontravam, estranhando tão insólito proceder, pediu ao Administrador explicações de um acto, que não podia deixar de considerar-se um abuso inqualificável da autoridade.

O Administrador respondeu:

“-Não proíbo o espectáculo, mas vedo a entrada aos espectadores: não tenho de dar contas de uma medida de polícia senão ao meu superior; e intimo-os para que retirem e dispersem, para o que empregarei a força até ao extremo:- a lei sou eu!!! “

O mesmo assinante, que o interrogara, depois de haver verbalmente protestado contra semelhante acto, convidou a que todos se retirassem, o que todos fizeram.

Peço a V. Exª que com toda a imparcialidade, aprecie o acontecido no que foi, e no que poderia ser, se a prudência e a moderação não fosse tanta da parte dos circunstantes, quando da parte da autoridade foi a provocação e o insulto, defira como julgar de justiça.
Penafiel 10 de Dezembro de 1861

Devido a políticas culturais erradas, que vários executivos camarários foram adoptando, é com imensa mágoa, que nos dias que correm, em pleno século XXI, constatamos que Penafiel não tem casa de Teatro, e o Recreatório se encontra em degradação.

1 Comments:

Blogger Belinha said...

Parabens! Adorei os dados históricos de uma Casa tão importante para os Penafidelenses e que a mim em particular, me trás á memória bons e importantes momentos da minha juventude. Bem haja e sempre que possivel: DÊ-NOS MAIS PENAFIEL! :)

12:09 da tarde  

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