A CENSURA EM PORTUGAL
A
CENSURA EM PORTUGAL
Boelhe - O comer do meio-dia de um trabalhador rural |
Ao longo da história
portuguesa foram muitas as formas de perseguição a intelectuais. A prisão e a
morte foram também frequentemente o castigo de quem ousava expressar aquilo que
pensava, contrariando o discurso oficial do Estado.
Durante o regime
do Estado Novo, que institucionalizou um estrito controlo dos meios de
comunicação, havendo a censura prévia dos periódicos, e a apreensão de livros.
No teatro, na rádio (proibindo certos discos de serem passados), no cinema e
mais tarde na televisão, a censura também se fez sentir.
O que é mais
caricato, é que até os órgãos representativos da União Nacional, como era o
caso do jornal de Penafiel “O Tempo” Órgão da Comissão Concelhia da União
Nacional, que era composto e impresso na tipografia Minerva que existia no
Largo da Ajuda N.º 35 – 37 nesta cidade, tinha que levar à censura prévia, os
seus textos.
Cabeçalho do jornal "O Tempo" |
Acontece que
naquele tempo para se retirar um texto censurado por outro, demorava tanto
tempo, que impedia o jornal de sair a tempo e horas para os seus assinantes.
À conversa com uma
pessoa que trabalhou nessa tipografia, contou-me como fintavam nestes casos a
censura.
Enquanto o jornal
ia e vinha da censura prévia, a impressão do mesmo não parava, sendo esses
exemplares quando eram censurados enviados para os assinantes das freguesias.
Depois, ou o texto
censurado era de rápida solução (mudar apenas uma frase), ou caso contrário
retirava-se o artigo, e nesse espaço metia-se um “chaço”, que podia ser um
reclame a qualquer firma, ou um simples desenho.
Um dos jornalistas
penafidelense que sentiu o lápis azul (símbolo da censura porque, os censores
do Estado Novo usavam um lápis de cor azul nos cortes de qualquer texto, imagem
ou desenho a publicar na imprensa), nos seus textos, foi Antony Guimarães.
Certo dia, enviou
um texto acompanhado de uma foto, para o semanário da diocese do Porto, “Voz
Portucalense”, pensando ele que por se tratar de um jornal ligado à igreja, o
mesmo ia ser publicado na íntegra. Engano seu.
Aqui fica o texto enviado:
O comer do
meio-dia
"Mesa de pedra dura, que também serve de banco; calças
remendadas de homem de trabalho, que trabalha em mangas de camisa sob sol
escaldante, com o suor a escorrer pelas faces tisnadas.
Trabalhador que, ao soar o meio-dia, sai alquebrado e
exausto e nem uma mesa tem para comer. Corre uma brisa refrescante, que ainda
mais o entorpece, o desalenta.
Uma malga de caldo mal adubado, o presigo; vieram de
longe, dentro de uma cesta, tudo coberto com uma toalha alva de neve.
Foi uma criança que trouxe aquilo, veio a correr, a
saltitar, a cantarolar.
O avô ficou mais contente ainda por a ouvir na cantiga
do costume, contentamento que não existia, o trabalho duro não deixa sorrir, só
uma criança fazia o milagre…
Comeu, meditou e voltou ao trabalho. Assim até à
noite, todos os dias…
Tudo é trabalho, responsabilidade! Cabelos brancos…"
Como o mesmo foi
publicado na Voz Portucalense..
Texto publicado no jornal "Voz Portucalense". |
O mesmo foi
cortado, e quando pediu “explicações” à Voz Portucalense, levou por resposta o
seguinte:
"O Director da VP cumprimenta V. Ex.ª, agradece a
gentileza, mas informa que não deixaram passar o seu comentário os crivos
oficiais…
21 de Julho de 1970"
Embora o
penafidelense Antony Guimarães, fosse especialista em escrever nas entrelinhas,
por vezes não conseguia fintar a censura, como foi o caso deste simples comer
do meio-dia.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home