29 janeiro 2013

A CENSURA EM PORTUGAL



A CENSURA EM PORTUGAL

Boelhe - O comer do meio-dia de um trabalhador rural

Ao longo da história portuguesa foram muitas as formas de perseguição a intelectuais. A prisão e a morte foram também frequentemente o castigo de quem ousava expressar aquilo que pensava, contrariando o discurso oficial do Estado.

Durante o regime do Estado Novo, que institucionalizou um estrito controlo dos meios de comunicação, havendo a censura prévia dos periódicos, e a apreensão de livros. No teatro, na rádio (proibindo certos discos de serem passados), no cinema e mais tarde na televisão, a censura também se fez sentir.
O que é mais caricato, é que até os órgãos representativos da União Nacional, como era o caso do jornal de Penafiel “O Tempo” Órgão da Comissão Concelhia da União Nacional, que era composto e impresso na tipografia Minerva que existia no Largo da Ajuda N.º 35 – 37 nesta cidade, tinha que levar à censura prévia, os seus textos.

Cabeçalho do jornal "O Tempo"

Acontece que naquele tempo para se retirar um texto censurado por outro, demorava tanto tempo, que impedia o jornal de sair a tempo e horas para os seus assinantes. 

À conversa com uma pessoa que trabalhou nessa tipografia, contou-me como fintavam nestes casos a censura. 

Enquanto o jornal ia e vinha da censura prévia, a impressão do mesmo não parava, sendo esses exemplares quando eram censurados enviados para os assinantes das freguesias. 

Depois, ou o texto censurado era de rápida solução (mudar apenas uma frase), ou caso contrário retirava-se o artigo, e nesse espaço metia-se um “chaço”, que podia ser um reclame a qualquer firma, ou um simples desenho.

Um dos jornalistas penafidelense que sentiu o lápis azul (símbolo da censura porque, os censores do Estado Novo usavam um lápis de cor azul nos cortes de qualquer texto, imagem ou desenho a publicar na imprensa), nos seus textos, foi  Antony Guimarães. 

Certo dia, enviou um texto acompanhado de uma foto, para o semanário da diocese do Porto, “Voz Portucalense”, pensando ele que por se tratar de um jornal ligado à igreja, o mesmo ia ser publicado na íntegra. Engano seu.
Aqui fica o texto enviado:

O comer do meio-dia

"Mesa de pedra dura, que também serve de banco; calças remendadas de homem de trabalho, que trabalha em mangas de camisa sob sol escaldante, com o suor a escorrer pelas faces tisnadas.
Trabalhador que, ao soar o meio-dia, sai alquebrado e exausto e nem uma mesa tem para comer. Corre uma brisa refrescante, que ainda mais o entorpece, o desalenta.
Uma malga de caldo mal adubado, o presigo; vieram de longe, dentro de uma cesta, tudo coberto com uma toalha alva de neve.
Foi uma criança que trouxe aquilo, veio a correr, a saltitar, a cantarolar.
O avô ficou mais contente ainda por a ouvir na cantiga do costume, contentamento que não existia, o trabalho duro não deixa sorrir, só uma criança fazia o milagre…
Comeu, meditou e voltou ao trabalho. Assim até à noite, todos os dias…
Tudo é trabalho, responsabilidade! Cabelos brancos…"


Como o mesmo foi publicado na Voz Portucalense..

Texto publicado no jornal "Voz Portucalense".

O mesmo foi cortado, e quando pediu “explicações” à Voz Portucalense, levou por resposta o seguinte: 

"O Director da VP cumprimenta V. Ex.ª, agradece a gentileza, mas informa que não deixaram passar o seu comentário os crivos oficiais…
21 de Julho de 1970"

Embora o penafidelense Antony Guimarães, fosse especialista em escrever nas entrelinhas, por vezes não conseguia fintar a censura, como foi o caso deste simples comer do meio-dia.