MÁRIO DE OLIVEIRA INAUGURA O BUSTO DE SEU PAI
MÁRIO DE
OLIVEIRA
INAUGURA O
BUSTO DE SEU PAI
ZEFERINO
DE OLIVEIRA
Terminada a
Sessão de Câmara, o cortejo saiu em direcção ao Parque do Santuário, em que tomaram
parte diversas colectividades locais com os seus estandartes,
crianças das escolas, uma banda de música e muitas pessoas de todas
as classes sociais, o qual estacionou em frente ao busto de Zeferino
de Oliveira, coberto pelas bandeiras de Portugal e Brasil.
Fizeram uso
da palavra ali os Srs. Capitão Coelho dos Santos, administrador do
concelho, e Dr. Avelino Soares, Presidente da União Nacional, os
quais proferiram dois brilhantes discursos que foram muito
aplaudidos.
Dr. Avelino Soares |
Discurso do
Dr. Avelino Soares
Meus
Senhores
Partiu da
colónia portuguesa do Brasil a ideia de erigir neste lugar um
monumento a Zeferino de Oliveira, oferecendo generosamente o busto em
bronze que vai agora ser inaugurado. Deram-lhe realização, em
parte, os excelentíssimos senhores Francisco Sena Pereira, José
Maria Pinto Júnior e Raul Monteiro Guimarães.
É preciso
recordar estes nomes e confiá-los à memória do coração para que
os não esqueça.
São o
testemunho perene das afeições que Zeferino de Oliveira sabia
inspirar e que se prolongaram, para além da pessoa do amigo saudoso,
até a terra longínqua que lhe foi berço.
Revelam o
grau de altíssimo apreço e veneração em que a colónia portuguesa
tinha o patrício ilustre que, pela sua energia indomável e pela sua
inteligência cintilante, através de realizações fulminantes e
espantosas, dignificará o nome de Portugal, como pouquíssimos o
poderiam jamais fazer em terras do Brasil.
A Comissão
Administrativa da Câmara Municipal, acolhendo pressurosa a ideia,
mandou construir o pedestal de linhas sóbrias e elegantes que vai
servir de suporte ao busto do saudoso penafidelense. Interpretou o
sentir do concelho de Penafiel desvanecido de poder inserir na
galeria dos seus homens ilustres o nome imorredoiro de Zeferino de
Oliveira.
Deu
expressão material à saudade e à gratidão que todos os
penafidelenses, em absoluta e indestrutível unanimidade, consagram à
memória querida do opulento benemérito.
Para o acto
solene da inauguração aguardou-se confiadamente a oportunidade que
nos ofereceu a visita do Excelentíssimo Senhor Mário de Oliveira e
de sua excelentíssima esposa à terra muito amada de seu saudoso
Pai.
Queríamos
todos que fossem suas excelências as figuras destacantes desta
cerimónia. Esperamos quanto foi preciso esperar e mais esperaríamos
ainda, se tão pronta não tivesse sido a aquiescência dos nossos
ilustres hóspedes aos nossos desejos ansiosos.
Meus
Senhores
Tudo que se
possa dizer de Zeferino de Oliveira é deficiente e é supérfluo.
É
deficiente porque não pode exprimir-se em palavras a luta gigantesca
em que se empenhou até ao triunfo o esforço hercúleo deste homem
excepcional.
É supérfluo
porque nem infinitissimamente pode acrescer a vaga alta de saudosa
simpatia em que as nossas almas envolveram, desde há muito, o seu
nome e a sua memória.
Se as
circunstâncias do momento me compelem a falar do homem portento que,
no domínio das relações industriais, transcendeu o comum e atingiu
o genial e o miraculoso, faço-o na dolorosa persuasão da minha
invencível insuficiência.
Mal tive
tempo de conhecer pessoalmente Zeferino de Oliveira. Mas o meu culto
profundo e instintivo pelos homens grandes de Portugal levou-me
frequentes vezes a procurar ouvir individualidades que me elucidassem
sobre a carreira esplendoroso desse homem que se constituíra
imprevistamente o maior benfeitor da sua terra.
Ninguém me
definiu em frases completas, em períodos de perfeita estrutura
gramatical o perfil social do inolvidável Zeferino de Oliveira.
Todos me
reponderam em simples exclamações: um colosso, um assombro, um
portento, um homem formidável. E ninguém pôde diluir-se em
pormenores logicamente encadeados a trama surpreendente da vida
triunfal de Zeferino de Oliveira.
Só
ante-ontem, aqui mesmo, à beira deste pedestal, alguém que muito
bem o conheceu, por estar já embrenhado no mundo que ele frequentou,
me disse esta frase significativa que fixei para vo-la transmitir:
- Se
Zeferino de Oliveira vivesse mais quinze anos, seria a maior
afirmação do valor da raça portuguesa em terras do Brasil.
E em verdade
quando se analisam as modalidades diversas e variadíssimas por onde
se repartiu a sua actividade prodigiosa, quando procuramos
contornar a envergadura do seu espírito que tudo abarcava, quando
matematicamente se ajusta a subtileza da sua observação sempre
exacta, a penetração das suas previsões sempre certas, o acerto
das suas objecções sempre previdentes, tem-se a impressão
esmagadora de que o nosso espírito se deslumbra ao clarão dum génio
que na ordem das realizações comerciais e industriais iguala e
irmana com os grandes génios que vincaram na história um nome
imorredouro.
Ainda que
não tivesse sido um grande benemérito da nossa terra, a glória do
seu nome tê-la-ia envolvido numa auréola de fama tão alta, que o
nosso amor próprio poderia vibrar de justo desvanecimento. Ditosa
terra que tal filho teve!
Mas Zeferino
de Oliveira foi para nós e será pelas gerações em fora muito mais
do que um conterrâneo ilustre. Foi também dos nossos pobres um pai
estremosíssimo e amoroso, compadecido dos alheios infortúnios até
requintes de bondade que se não podem relembrar sem lágrimas nos
olhos.
Esmolas toda
a gente dá. Até os pobrezinhos repartem entre si as migalhas da sua
miséria.
Mas a
ciência de fazer bem, confessêmo-lo ainda ninguém entre nós a
possuiu como Zeferino de Oliveira.
Outros terão
feito pelas necessidades alheias sacrifícios mais pesados, porque o
valor intrínseco dum benefício, afere-se pelo grau das privações
que implica para quem o confere. Mas ninguém o excedia no
enternecido carinho com que distribuía o seu bem fazer, no prudente
critério com que seleccionava e escalonava e escalonava as
necessidades, com que ia ao seu encontro espontaneamente, com que
procurava, para além do efeito ocasional da esmola, atingir e
remediar a causa radical do infortúnio.
As
condições em que instituiu e ininterruptamente manteve a Sopa dos
Pobres, a maneira como dirigiu, orientou e estimulou a assistência
do concelho ao Hospital, graduando e condicionando o seu auxílio
pelo auxílio da restante população, os sapientes conselhos que
incansavelmente mandava do Brasil, em longas cartas, aos executores
da sua caridade, revelam em Zeferino de Oliveira uma alma de eleição,
grande e excepcional até no gesto banal de abrir a sua carteira.
Nunca ia à
frente numa exibição banal de riqueza e prodigalidade, nos
encargos que por dever social devem impender sobre todos ele exigia a
comparticipação de todos. Seguia atrás a impelir, a animar, a urgir
com palavras brandas de persuasão.
Para os
egoístas renitentes e obstinados, ah! para esses tinha expressões
de rude severidade, duras como um látego, sonoras como um trovão.
A sua
fortuna permitia-lhe ser taumaturgo, erguendo ruínas e sanando
desgraças.
Mas antes
disso queria ser apóstolo que arrastasse prosélitos para a Cruzada
Santa do bem fazer.
Quando a
marcha cansava e os recursos se exauriam, então surgia como a
Providência e fazia o resto, satisfeito de cumprir o seu dever, mais
satisfeito ainda de ao dever ter compelido os outros.
As obras
ficavam inacabadas por se esgotarem os recursos, a administração do
hospital fechava em cada ano com um défice alarmante.
Fechar
enfermarias, reduzir os leitos? Talvez não. Havia uma esperança;
Zeferino de Oliveira, para quem Freitas Guimarães, o desvelado
Provedor da Santa Casa, apelava sempre, timidamente com medo de lhe
cansar a bondade já tão experimentada por sucessivas
impertinências.
Tão grande
era a sua magnanimidade que acabou um dia por escrever a Freitas de
Guimarães, no tom rústico que por vezes tinham as suas expressões:
-Homem, não
me arregale os olhos. Diga afoitamente quanto precisa.
E tudo
quanto era preciso, vinha do Rio pelo paquete, imediato, quando não
era até em ordens telegráficas.
Foi assim
Zeferino de Oliveira. Era impossível, pois, que não tivéssemos por
este conterrâneo insigne o afecto e a veneração mais alta que
jamais foi possível inspirar a uma terra de gente boa e agradecida.
Ainda em sua
vida, pôde Zeferino levar as obras no monte do Santuário até ao
ponto em que agora se encontram (1934), incompletas, ainda áquem
daquilo que a sua imaginação tracejara, elas representam já para
Penafiel um melhoramento tão grande, que seria despropósito
exaltá-lo em palavras aos nossos ouvidos, quando pertence aos nossos
olhos contemplá-losà nossa saudade agradecê-las.
Em meio
deste frondoso arvoredo que ele viu plantar e já não pôde ver
bracejar e enverdecer, vai ficar o seu monumento preito da nossa
saudade, símbolo de uma gratidão, farol das nossas esperanças.
Ex.mo Sr.
Mário de Oliveira, vai V.ª Ex.ª ser convidado, em nome do povo de
Penafiel, a descerrar o busto de seu saudoso e querido Pai.
A presença
de V.ªEx.ª nesta cerimónia é para Penafiel uma honra e uma
alegria. Nunca nos abandonou a esperança de que V.ª Ex.ª havia de
vir até junto de nós, escutando e atendendo o pedido que, nesse
intuito, lhe foi comovidamente endereçado, Sabemos agora que V.ª
Ex.ª viria, ainda que tal pedido lhe não fosse dirigido. Viria,
porque queria vir, não em jornada de turismo, mas em peregrinação
de saudade.
Terá V.ª
Ex.ª tempo de percorrer com enlevo os lugares santos para o seu
coração, por onde se gastou a infância e a primeira adolescência
do homem notabilíssimo cujo nome, tão valioso como a sua fortuna,
V.ª Ex.ª herdou e usa com justificado orgulho.
O que V.ª
Ex.ª não pode infelizmente é avaliar em toda a sua extensão e
profundidade e indelével saudade deste bom povo pelo insigne
benfeitor que tão imprevistamente a morte nos arrebatou. Essa
extensão, essa profundidade poderam senti-la aqueles que estavam em
Penafiel na tarde trágica em que, nos sete campanários da cidade os
sinos dobraram simultaneamente e repassava de boca em boca a notícia
angustiosa:
O
espectáculo que Penafiel oferecia nessa hora, nunca em minha vida
hei-de esquecê-lo. Tenho orgulho de ser penafidelense, Mas esse
orgulho data sobretudo dessa hora.
O que V.ª
Ex.ª não tem ocasião de apreciar é a gratidão sentida e
profunda, que já avassala o coração do povo do concelho, pela
generosidade com que V.ª Ex.ª , sem uma hesitação, sem uma quebra
de continuidade, tem mantido fidelissimamente a bondosa assistência
que seu ilustre Pai iniciou.
Soube-se
tarde do dia da visita de V.ª Ex.ª. Não foi possível, nem pelos
jornais, nem nas missas, as grandes assembleias do nosso povo, levar
ao conhecimento das populações rurais a notícia faustosa da sua
vinda.
Se tal não
fora, a passagem de V.ª Ex.ª assumiria proporções duma apoteose.
Vem V.ª
Ex.ª dispendendo com esta terra cerca de quarenta contos anuais.
Que terras portuguesas se ufanarão de uma tamanha benemerência?
Deus cubra
de rosas e de bênção o caminho da sua existência preciosa!
Que os seus
olhos se deleitem na frescura deslumbrante das nossas paisagens, que
a sua retina se embeba na luz fulgurante do nosso sol, que o seu
coração se enamore da bondosa simplicidade do nosso povo, a ver se
se remedeia em nós a maior mágoa que nos consome, não ter V.ª
Ex.ª nascido em Portugal.
Foto do jornal brasileiro Diário Português de 28 Outubro 1934 |
Ex.ma
Senhora Dona Lícia de Oliveira
Para V.ª
Ex.ª as últimas palavras desta saudação.
Deve V.ª
Ex.ª ter reparado no enternecido carinho com que nos seus olhos
ungidos de bondade se pousam reverentes nos olhos de todos nós. Não
há nos nossos olhares vislumbres de curiosidade impertinente com que
é de uso mirarem-se em terras pequenas, os estrangeiros que nos
visitam.
É que V.ª
Ex.ª, não pode, não conseguirá nunca ser para nós uma
estrangeira. Nenhum brasileiro pode ser jamais estrangeiro em
Portugal. Como poderia sê-lo V.ª Ex.ª , se acrescenta ao seu nome
de família o apelido português “Oliveira”.
Ao saber da
visita de V.ª Ex.ª , minha senhora, nasceu no coração dos
penafidelenses uma ambição estranha e absorvente; quereríamos que
levasse da nossa terra uma impressão tão grata, e tão profunda,
que até nos deslumbramentos do Brasil, grande, rico, moderno e
sedutor, V.ª Ex.ª fosse intimamente forçada a sentir uma grande
afeição pelo velho e nobre Portugal, adoptado como segunda pátria
pelo seu coração de peregrinas e acrisoladas virtudes.
Como penhor
como assim há-de ser, soltarei duas saudações antes de
descerrar-se o monumento a Zeferino de Oliveira. Ele ficará assim,
além de tudo, como símbolo imperecível da amizade de dois povos,
da união espiritual de duas pátrias.
- Viva o
Brasil!
De seguida
foi convidado o Sr. Mário de Oliveira a descerrar o busto de seu Pai
Zeferino de Oliveira, que se encontrava coberto pelas bandeiras do
Brasil e Portugal.
Descerrado o
busto, da enorme multidão, que por completo, coalhava o parque do
Santuário baptizado de Zeferino de Oliveira, rompeu uma apoteótica
e comovente ovação.
Continua na
próxima semana
o relato da
visita de Mário de Oliveira a Penafiel
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home