31 julho 2013

O GENERAL HUMBERTO DELGADO



O GENERAL 
HUMBERTO DELGADO
EM PENAFIEL

Cartaz da campanha eleitoral.

O golpe de 28 de Maio de 1926, chefiado desde Braga pelo General Costa Gomes, triunfa em Lisboa a 6 de Junho do mesmo ano, pondo termo à Primeira República, impondo uma ditadura militar, que vai dar origem ao Estado Novo.

Américo Tomás candidato do regime.

Este regime sofre o primeiro abalo digno desse nome, nas eleições realizadas em 1958, para a Presidência da República, sendo o candidato do regime o Almirante Américo Tomás, e o da oposição o General Humberto Delgado, que conseguiu unir na sua candidatura todas as forças oposicionistas ao regime, incluindo os comunistas com a desistência do seu candidato Dr. Arlindo Vicente a favor do General.

Humberto Delgado no Café Chave de Ouro em Lisboa

A 10 de Maio de 1958, no primeiro acto público no Café Chave de Ouro, em Lisboa, Humberto Delgado responde à pergunta feita por um jornalista da France Press:

- Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho (Dr. Oliveira Salazar), se for eleito? 

A resposta foi imediata, enérgica, sem hesitação ou temor:

Obviamente, demito-o”.

Devido a esta resposta, ganha o cognome de “General sem Medo”.

 
Humberto Delgado no Porto
Vindo de comboio até ao Porto, no dia 14 de Maio, onde o esperava um mar de gente (200.000 pessoas), para fazer o seu primeiro comício da sua campanha. Foi de tal maneira recebido que declarou que “o meu coração ficará no Porto”. 

Humberto Delgado em Paço de Sousa nos Gaiatos, com o Dr. Rodrigo de Abreu junto ao General.

A campanha prossegue, e a 15 de Maio, visita Penafiel, acompanhado pelo penafidelense Dr. Rodrigo de Abreu, um dos principais apoiantes do General, chegando a emprestar o seu próprio carro para Humberto Delgado visitar várias localidades do Norte do país.

Humberto Delgado diante da campa do Padre Américo em Paço de Sousa.

Entrando no concelho por Paço de Sousa, onde vai visitar a Casa dos Gaiatos, e presta homenagem a Padre Américo diante da campa onde repousavam os restos mortais do fundador desta instituição.

Humberto Delgado em Penafiel

Depois, rumou ao centro da cidade de Penafiel, onde centenas de apoiantes o aguardavam.

Impossibilitado de falar da varanda do município, subiu para o tejadilho de um carro e falou para a multidão que o rodeava.

Depondo um ramo de flores, aos mortos da Grande Guerra

No final foi-lhe oferecido um ramo de flores, o qual foi colocado no monumento aos mortos da Grande Guerra. Todas estas andanças, foram registadas pela câmara fotográfica, do penafidelense Antony Guimarães.

Anúncio publicado no jornal local "O Tempo".

Apesar da manipulação total dos resultados eleitorais, no concelho de Penafiel, o General vence as eleições na freguesia de Novelas, e perde por pouco na de Paço de Sousa. 

Humberto Delgado exercendo o seu direito de voto.

Os resultados oficiais das eleições no distrito do Porto

                             União Nacional        Oposição
Amarante                       3.035                    1.217
Baião                             1.864                       306
Felgueiras                     2.657                       815
Gondomar                    4.849                     2.147
Lousada                        1.546                         539
Maia                              1.972                      1.305
Marco de Canavezes    3.442                         394
Matosinhos                   3.652                     2.982
Paços de Ferreira         1.800                         788
Paredes                         3.189                      1.220
Penafiel                        3.729                      1.011
Porto                          18.302                      8.865
Póvoa do Varzim         2.650                      1.260
Santo Tirso                  4.357                      3.049
Valongo                       1.439                         570
Vila do Conde             3.632                      1.515
Vila Nova de Gaia       6.979                     7.760

O único concelho em que o General Humberto Delgado ganha, no Distrito do Porto, é em Vila Nova de Gaia.

Levado em ombros

No rescaldo das eleições, o Governador Civil do Porto, Dr. Elísio de Oliveira Alves Pimenta, envia uma circular a todos os Presidentes de Câmara para estes se pronunciarem sobre os resultados eleitorais no seu concelho.


 
Governo Civil do Porto


GOVERNO CIVIL DO PORTO
Circular nº M-7/2

Porto, 17 de Junho de 1958

Exmº Senhor
Presidente da Câmara Municipal de…..
Rogo a Vª Excª se digne elaborar e enviar-me um relatório, tanto quanto possível circunstanciado da forma como decorreu a eleição presidencial nesse concelho, por freguesias e assembleias, especificadamente, informando das causas de ordem geral ou local que, porventura, tenham influído nos resultados.


 
Presidente da Câmara de Penafiel, Dr. Francisco da Silva Mendes.


CONCELHO DE PENAFIEL
Informação sobre o acto eleitoral

Foi este concelho, como quase todos, surpreendido por uma vaga de hostilidade tão inesperada e falta de lógica que, sem dúvida, será erro minimizar o facto e sepultá-lo sob o entusiasmo e a tranquilidade da vitória.

Bem-haja, pois, o Governo em pretender, sem tardança inquirir sobre os factores que poderão ter determinado esta espantosa e dupla anomalia: - um país em pleno, vigoroso e patente ressurgimento e que se não mostra unânime em conhecê-lo e reconhecê-lo; por outro lado um país que, em larguíssima extensão, por isto ou por aquilo, se mostra clamorosamente insatisfeito e que todavia apoia o Governo com uma maioria de 75% dos seus votos, caso único, supomos, no mundo das democracias.

Sem dúvida o infundado do descontentamento por um lado e a atitude eleitoral dos descontentes por outro, constituem um problema que merece ser seriamente considerado.

Prestamos o nosso depoimento com séria preocupação de ser objectivos e sobretudo leais.

I
Presumíveis factores de descontentamento

1º É um factor psicológico.

Parece-nos errado supor que a reacção anti-demagógica de 28 de Maio significava um repúdio geral e definitivo dos velhos hábitos liberais e democráticos, tão enraízados nos povos latinos daquém e dalém Atlântico e viáveis melhor ou pior na maioria das Nações. Se significasse trinta anos de governação sábia honesta e feliz e de doutrinação paralela intensificada por todos os meios teriam eliminado todos os vestígios dos velhos hábitos e a eleição recente não defrontaria com as dificuldades que teve de vencer.

Verifica-se que permanece um apego mais ou menos acentuado aos princípios demoliberais mesmo naqueles que nem por isso deixaram de votar, ainda desta vez, na situação vigente. Para muitos dos nossos a persistência da censura à imprensa, a ausência duma representação das minorias discordantes na Assembleia Nacional, certos aspectos do intervencionismo do Estado no domínio económico, são outros tantos motivos de reparo e desafeição pelo regime.

Será impossível vir ao encontro destes reparos sem comprometer a estrutura essencial e a estabilidade do regime? Antes não fosse.

2º Este factor é de ordem moral.

O contacto directo e pessoal com os eleitores acabou de nos mostrar a aflitiva falta de civismo duma grande massa eleitoral. A solicitude pelo Bem Comum é sufocada pela pressão do caso individual ou local. Confrange contar o número de votos que se negam ou apresentam difíceis só porque se pagou uma multa, ou porque se não obteve certo emprego, ou porque está intransitável um caminho, ou porque o fontanário secou na estiagem, ou porque a electricidade ainda não chegou a certo lugar, ou por muitas outras razões do mesmo teor.

Quando ripostamos com os grandiosos empreendimentos do estado, ficam indiferentes.

Não lhes interessava. O que conta é o seu caso pessoal e local.

Tal atitude de espírito é lamentável. Mas existe e ameaça persistir e agravar-se. Ora se para o caso pessoal a solução é impossível, porque só se encontraria no regresso a uma “politiquice” indecorosa, o mesmo não acontece para o caso local. Este é afinal uma parcela do Bem Comum.

E pensamos então se a preocupação do monumental e do grandioso não estará sacrificando as modestas necessidades e pretensões das localidades rurais onde labuta ingratamente e sofre a gente mais sã do país.

3º Este factor é de ordem económica.

O corporativismo não conseguiu ainda captar a simpatia das classes. É mal conhecido na sua orgânica e, porque imposto de cima, aceite com relutância.

A presunção de que “iam acabar os grémios” suscitou em certos meios um entusiasmo significativo e deu, presumimos, à oposição farto contingente de votos.

Nova anomalia se verifica: foi justamente nas classes mais favorecidas pela organização corporativa, que se encontrou a maior oposição. Confronte-se a atitude dos meios provincianos e rurais com a dos meios industriais e operários. O facto apresenta-se enigmático e não se vê para fácil explicação nem remédio adequado.

Que o estudem os técnicos. Não seria desejável tornar mais eficaz a orgânica das Caixas de previdência e da assistência médico-social e mais patentes e desembaraçados os seus benefícios?

II
No panorama local

Factores de êxito.

Dos 4739 votantes do concelho de Penafiel votaram pelo Candidato Nacional 3728 e pelo candidato da oposição 1011, ou seja 23% apenas. Tal resultado que, em absoluto e por confronto, pode considerar-se muito bom, deveu-se a factores diversos que convém apontar e discriminar, porque, se uns são de carácter permanente e devem persistir, outros foram ocasionais e podem não se repetir do futuro.

Entre as primeiras anotamos:

a) A índole sã da gente do concelho, cristã e conservadora, ávida sobretudo de paz e sossego, receosa de aventuras perigosas e de saltos para o desconhecido.
O seu estado de espírito traduzia-se em prestações como estas: “O que nós queremos é trabalhar em paz”, “Mais vale o pouco certo que o muito duvidoso”; "para melhor ninguém muda”; ou ainda uns mais cépticos, “mal por mal antes o que está”.

b) A actuação directa e pessoal de elementos prestigiosos da União Nacional, onde os havia, junto de cada eleitor.
Deve frisar-se que não temos notícia de que em parte alguma se tenha recorrido aos velhos processos do caciquismo: nem prosas enganosas, nem compromissos de favoritismo, nem ameaças de qualquer espécie, nem nada que se parecesse com mendicidade de voto.

c) Trabalho exaustivo dos elementos da União Nacional, acudindo de pronto, uma e mais vezes onde quer que se revelava uma actuação mais insistente dos adversários, ou melindres mesquinhos ameaçavam a unidade política dos nossos. Pode esperar-se que este factor persista se a União Nacional for prestigiada devidamente.

Entre os segundos anotemos:

a) A reacção do sentimento religioso alarmado pela irreligiosidade e ateísmo blasfemo do candidato oposicionista, logo que o facto se tornou público. E neste particular os párocos cumpriram nobre e corajosamente o dever que a sua consciência e suas responsabilidades lhes impunham.

b) O efeito, mais elucidativo que a melhor propaganda dos tumultos e desacatos produzidos em Lisboa e Porto e Braga, acumulando-se a muitas atitudes descompostas e suspeitas dos adversários. Não parecia que fossem os melhores; mas era manifesto que os piores estavam com eles.

c) O prestígio insuperável, e Deus queira que não insubstituível, de Salazar. O povo sentiu o choque emocional de o ver tratado com desdém por um homem que pretendendo medir-se com ele se inferiorizou irremediavelmente.

III
Na cidade e nas freguesias

Na cidade a votação manteve-se ao nível de 65% já verificado em eleições anteriores.

Em Novelas a oposição obteve uma pequena maioria, facto significativo, porque foi sem dúvida devido à acção dos ferroviários e de operários que trabalham no Porto e ainda de proprietários indiferentes ou hostis.

Em Paço de Sousa obtivemos uma maioria relativamente escassa. Ainda a influência de ferroviários e operários.

Em Boelhe, Vila Cova e S. Mamede mal atingimos um terço da votação, falta de elementos preponderantes da situação.

Nas restantes freguesias os resultados foram nitidamente bons e, em muitas, muito bons.

Seríamos francamente optimistas se tais resultados não tivessem exigido um esforço que pode não vir a repetir-se e se não víssemos o concelho muito desalentado pela falta de ajuda, por parte do Estado, em obras e iniciativas de extrema necessidade e urgência.

Penafiel, 13 de Junho de 1958

O Presidente da Câmara Municipal

Dr. Francisco da Silva Mendes

Humberto Delgado na Praça Municipal em Penafiel

Curiosamente, a originalidade deste relatório reside nas críticas feitas ao Governo, sobretudo vindas do presidente da Câmara de um concelho onde a votação do candidato do regime melhorara entre 1949 e 1958, ou seja entre as eleições de Norton de Matos e Humberto Delgado.

Além disso, chama a atenção para questões importantes como o sentido democrático da população portuguesa, o sacrifício das questões e dos problemas locais em nome da realização de grandes obras nacionais, que pouco diziam à maioria da população, e a necessidade de tornar mais eficaz um incipiente sistema de segurança social.

A partir destas eleições, nada ficou como dantes. O império colonial, começa a desmoronar-se com a conquista dos territórios portugueses na Índia (Goa, Damão e Diu), pela União Indiana.

Entretanto, a guerra colonial rompe em três frentes no continente africano, Angola, Guiné e Moçambique.

O regime só vem a ser deposto com o Golpe Militar do 25 de Abril de 1974, pondo fim a 13 anos de guerra colonial, dando a independência a esses povos, e implementando um regime democrático pluralista no país.

Hoje, passados 39 anos, vemos que o regime “democrático” começa a mostrar as suas fragilidades, repetindo erros da primeira república, com os partidos a tornarem-se nuns verdadeiros centros de emprego e não locais de debate de ideais políticos para melhorar a vida do cidadão, o que não me admira nada, que qualquer dia também caia de podre, por falta de democratas.

2 Comments:

Blogger Unknown said...

Boa Tarde

Sempre ouvi esta estória a um tio meu.
Que, inclusivamente, o General terá pernoitado em Penafiel, em casa do Dr. Rodrigo de Abreu.

Essa casa, localizada para os lados de Milhundos, não teria um grande acesso - pelo que o Dr. Rodrigo de Abreu, pese embora toda a descrição obvia que a guarida requeria, pediu licença, a meu tio, para que, nessa ocasião, se fizesse a entrada por terrenos de Sua propriedade, localizados junto ao actual Largo de S. Bartolomeu (na ocasião seria conhecido como “Largo das Cebolas”).

E assim terá sido!

Com os meus Cumprimentos,
Nuno da Gama

2:20 da tarde  
Blogger Fernando Oliveira said...

Realmente existia um caminho que ligava o Largo de S. Bartolomeu À casa do Dr. Abreu na Quinta de Pussos, mas acontece que parte desse caminho teria que ser percorrido a pé. Não posso confirmar que o General tenha pernoitado na Quinta de Pussos.

Com os melhores cumprimentos
F. Oliveira

10:46 da tarde  

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