28 dezembro 2012

O CRUZEIRO E A PIA BAPTISMAL



O CRUZEIRO E A PIA BAPTISMAL DA IGREJA MANUELINA DE ARRIFANA DE SOUSA

Parte da antiga igreja
Antigamente, na Baixa Idade Média, existia uma capela manuelina dedicada ao Espírito Santo, onde hoje se encontra a Igreja Matriz da cidade de Penafiel.

Altar do Senhor dos Santos Passos

Todo o corpo desta igreja foi derrubado, para dar lugar à Igreja Matriz de Penafiel. Da antiga capela, resta-nos hoje a capela-mor integrada na nova igreja, ficando nela o altar do Senhor dos Santos Passos, onde se encontra o túmulo do mercador João Correia, ao que consta cristão-novo, e que reedificou a Matriz ao gosto manuelino tardio. 

Igreja Matriz
Na porta principal encontram-se inscritas duas datas, 1560 e 1570, correspondendo talvez a última ao final da obra, num momento em que a sede da paróquia já teria sido transferida de Santa Luzia para aqui.

Padeeira da porta com pedra da antiga capela do S. Sacramento

Muita pedra da antiga capela foi aproveitada para a construção do velho casario da Rua Direita, como se pode ver na padeeira da porta de entrada da casa, com o número 65, onde se lê: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”.

O reitor e pároco da igreja de S. Martinho de Arrifana de Sousa, o licenciado Manuel Rangel de Araújo, escreveu a informação aludida no ano de 1624.

Cruzeiro na Quinta da Aveleda

"Tanto o cruzeiro como a pia baptismal de que estou tratando encontram-se na casa da Aveleda.

O cruzeiro está erecto perto da casa da habitação e junto da principal avenida, e a pia encontrava-se, e naturalmente ainda se encontra, numa dependência à entrada da sala de jantar da mesma casa.

É, portanto, destituída de qualquer fundamento a insistente versão de que ela servia de bebedouro dos cavalos nas cavalariças da aludida casa. 

Fui informado de que estas relíquias das nobres tradições Arrifanenses foram adquiridas pelo senhor Manuel Pedro Guedes, por compra, a uma junta de paróquia da cidade.

Julgo que nem a junta deveria ter realizado tal venda, nem o referido senhor tal compra.

São relíquias sagradas, intrinsecamente afectas ao sentimento religioso de multidões de vivos e de mortos e que não é lícito mercadejar; mas a verdade manda dizer que, infelizmente, porque o facto indica falta de civismo colectivo, se estas relíquias não fossem recolhidas e guardadas onde estão, talvez já não existissem! Esta é a triste realidade.

Há já muitos anos que não vejo nem o cruzeiro nem a pia baptismal, conservando, apenas de memória, uma vaga ideia do que são artisticamente.

Tanto uma coisa como outra pertencem à época manuelina, sendo o cruzeiro de pedra, elevando-se num fuste de secção hexagonal ou octogonal, sobrepujado duma cruz de pequenas dimensões que tem gravada a imagem de Cristo cruxificado em singular posição, por não ter o artista observado, convenientemente, as respectivas proporções.

No fuste tem a imagem de N.ª Senhora, onde nos séculos XVII e XVIII, nesta espécie de Cruzeiros, foram insculpidas tíbias e craneos, como algumas vezes os instrumentos do suplício da Paixão. 

Embora se trata de um trabalho original de muito valor do período, como digo, manuelino, é, todavia, produto de uma indústria mais ou menos regional.
A pia, julgo ser de pé helicoidal, também de cortes hexagonais, tendo a parte superior lisa. Provavelmente, esta parte foi aproveitada do gótico, estando em relação com a igreja que antecedeu à Manuelina e que era de estilo gótico ou românico avançado. Parece-me que, de facto, a pia é de feição diferente da feitura do pé."

A legenda a que se refere o reitor e pároco e que dizia – este cruzeiro mandou fazer João Correia e sua mulher Brites Annes era 1534 – julgo já não existir.

Agora que a cultura é outra, deveriam, tanto o valioso cruzeiro, padrão de fé dos nossos avós como a pia, fundamental símbolo Cristão, retomar os lugares que lhes competem.

Tal gesto agradaria a Deus e às pessoas que formam e respeitam a história e a elevação da causa religiosa.
"Texto publicado por Abílio Miranda, em 1946"