03 fevereiro 2008

PONHAM O ZECA A GIRAR

PONHAM O ZECA A GIRAR
(A NOSSA GENTE)

No dia 23 de Fevereiro vai fazer 21 anos que morreu José Afonso. Sendo a sua obra desprezada e ignorada pelas rádios e televisões nacionais, será certamente recordada por todos os antifascistas como um resistente que conseguiu trazer a palavra de protesto para a música popular portuguesa e também pelas suas outras músicas, de que são exemplo as suas baladas.

Não privei de perto com o José Afonso, mas tive o privilégio de o ver actuar, e vou escrever o que o meu coração ditar.

A última vez que o vi e ouvi, encontrava-me em Nova Lisboa, hoje Huambo em Angola a cumprir o serviço militar, quando o Zeca Afonso, o Adriano e o Fausto, foram cantar para as Forças Armadas Portuguesas e para o M.P.L.A.

Ao entrarmos no pavilhão do Académico, começamo-nos a sentar nas cadeiras de trás, deixando as da frente vagas para os altos comandos, quando o Zeca vai ao microfone e nos manda sentar nas cadeiras da fila da frente, ficando os oficiais nas cadeiras que estivessem livres quando chegassem. A desordem das patentes estava estabelecida e aquilo prometia animar a malta. O Zeca com aquele ar de chateado e a dar de olhos para o Adriano e o Fausto, entre uma e outra canção, fazia um pequeno intróito político sobre o que ia cantar a seguir. Quando entoou no final do espectáculo a “Grândola Vila Morena”, toda a malta cantarolou, enquanto ao fundo do pavilhão foram desfraldadas a bandeira portuguesa e a do M.P.L.A.

Depois surgiram as confusões. Os membros da UNITA e da F.N.L.A., também queriam que este trio actuasse para eles. O Zeca sem papas na língua, afirmou que não tocava para lacaios do imperialismo. Esta boca, valeu-lhe a expulsão de Angola sem acabar a digressão. Este homem vertical, de nome José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, que antes quebrar que torcer, foi um exemplo de humildade, honestidade e de luta para que floresce-se em Abril uma sociedade mais justa, mas que Novembro trocou as voltas, dando à luz um Portugal que rima cada vez mais com capital.

Quanto à sua obra, vocês até se vão rir como eu a comecei a adquirir. As tropas tinham sido aumentadas a seguir a Abril de 1974, mas esses aumentos só nos foram pagos alguns dias antes do embarque. Assim, sem saber o que fazer à massa, fui à baixa de Luanda comprar todos os discos que encontrava do José Afonso e assim comecei a coleccionar a sua obra.

Este cantautor e a sua postura para com os outros marcou-me tanto, que também comprei alguns livros que foram editados sobre ele, e guardo alguns recortes de jornais que discerniam sobre a sua pessoa.

Infelizmente tanto o Zeca como o Adriano já partiram deste mundo, e hoje sinto-me um pouco “órfão”, pois já não há quem nos cante as nossas amarguras e nos abra janelas para “Avisar a Malta”, que os Eunucos e os Vampiros estão de volta, e o que ainda é mais estranho, é que já cantam a Grândola, sentam-se à mesa com uma desfaçatez tal, e “comem tudo e não deixam nada” democraticamente.

E se outra razão não houvesse, só para os fazer chatear, façam como eu, ponham o Zeca a girar.