27 dezembro 2007

AS JANEIRAS

DO NATAL ATÉ AOS REIS
(A NOSSA GENTE)
 
Sou do tempo em que a figura principal do Natal era sem dúvida o Menino Jesus, e não como nos tempos que correm neste reino consumista em que por todo o lado se apregoa o Pai Natal. 

Por vezes ainda estávamos a meio da Ceia de Natal, com as batatas, a penca e o bacalhau a fumegarem no prato, já os das Janeiras cantavam à porta. 

As Janeiras eram cantadas do Natal até aos Reis. Eram miúdos dos bairros pobres, geralmente acompanhados ao som dos ferrinhos, pandeireta e um bombo de papelão, com o fito de arranjarem algum dinheiro para guloseimas. 

Um do grupo, era o do saco que ia arrecadando as massas que no final repartiam por todos. 

Na noite da consoada os cânticos anunciam o nascimento do Deus Menino em Belém. Ainda hoje me lembro de algumas quadras as quais passo a retratar:

Vimos dar as Boas Festas / Com prazer e alegria / Já nasceu o Deus Menino / Filho da Virgem Maria. 

Vamos toda minha gente / Aqui não fica ninguém / Vamos adorar a Virgem / E o Deus Menino, em Belém. 

Dorme, dorme meu Menino / Que a tua mãe logo vem / Foi lavar os teus paninhos / À fontinha de Belém. 

Vamos todos ao presépio / Vamos todos a Belém / Visitar o Deus Menino / Que a Nossa Senhora tem. 

Alegrem-se os Céus e a Terra / Cantemos com alegria / Já nasceu o Deus Menino / Filho da Virgem Maria.

Na missa das onze rezada pelo Sr. Reitor na igreja da Misericórdia, ainda recordo os versos que lá cantávamos, enquanto o Menino era dado a beijar.

Vinde, vinde já ó almas / adorar o Deus Menino / Despido de amor profano / E cheio de amor divino. 

Vinde, vereis na lapinha / Sobre palhas encostado / Aquele Deus nas alturas / Por nosso amor humanado. 

Vinde já, vinde com pressa / Há lapinha de Belém / P’ra ver como Deus Menino / Nasceu para nosso bem. 

Oh! Quem se não admira / De ver tão grande humildade / Vir unir-se ao nosso barro / A Divina majestade. 

Lançai-me meu Deus Menino / A vossa bênção sagrada / E peço-vos que a minh’alma / Seja só vossa morada. 

Entre cada quadra entoávamos o refrão: Corramos depressa / Nós míseros mortais / Cantar ao Menino / Bendito sejais.

Na passagem do Ano, vêm as Janeiras propriamente ditas que lançam loas aos da casa, e que geralmente começavam assim: 

Ainda agora aqui cheguei / Mal pus o pé na escada / Logo o meu coração disse: / Aqui mora gente honrada. 

Ó senhor dono da casa / Seu raminho de bem-querer / Se a sua adega tem vinho / Venha-nos dar de beber. 

Quem diremos nós que viva / Na pontinha do lençol / Viva a menina Ana / Que é bonita como o sol. 

Viva lá o senhor Ricardo / Vestidinho de veludo / Quando mete a mão ao bolso / Seu dinheiro paga tudo. 

Viva lá a menina Rosa / Corada como a cereja / É a menina mais bonita / Que entra na nossa igreja. 

Quem diremos nós que viva / Eu não quero ficar mal / Viva um e vivam dois / Vivam todos em geral.  

As Janeiras terminavam com esta quadra que reza o seguinte: 

Venha, venha se há-de vir / Não se esteja a demorar / Nós somos de muito longe / Temos muito para andar. 

Se no final da cantata das Janeiras surgia à porta alguém da casa para dar alguma recompensa, os cantadores cantavam:  

Aqui mora alguma santa / Pois nos deu as janeirinhas / Tantos anos ela conte / Como a casa de pedrinhas ou Deitemos-lhe a despedida / Por cima do laranjal / Viva o dono desta casa / Vivam todos em geral.

Se por outro lado, ninguém dá nada aos cantadores, estes rematam: 

Esta casa cheira a unto / Aqui mora algum defunto / Esta casa cheira a breu / Aqui mora algum judeu.

Esta quadra festiva que se inicia no Natal, vem a terminar no dia de Reis ou seja a 6 de Janeiro. 

Na véspera cantam-se os Reis, que é o retratar em versos a caminhada destes ao encontro do Deus Menino deitado nas palhinhas numa gruta em Belém. 

Nobre casa, nobre gente / sentireis e ouvireis / que, da parte do Oriente / são chegados os três reis. 

Foram-se a casa de Herodes / por ser o maior do reinado / que l’ensinasse o caminho/ pois que Jesus era nado. 

Herodes, como malvado / como perverso maligno / às avessas ensinou / aos santos reis o caminho. 

E estando Deus nas alturas / viu tamanho desatino / que mandou uma estrelinha / que l’ensinasse o caminho. 

Os três reis do Oriente / já vão postos a caminho / Guiados por uma estrela / Pr’adorar o Deus Menino. 

A cabana era pequena / Não cabiam todos três / Vão adorar o Menino / Cada um por sua vez. 

Pastores, pastores / Vinde todos a Belém / A adorar o Deus Menino / Que Nossa senhora tem. 

Não sei porquê nem porque não, o meu pai acrescentava na reinação este percurso aos três reis que era o seguinte:  

Os três reis do Oriente / Já passaram em Barcelos / Um descalço outro calçado / E o rei preto de chinelos. 

Depois do dia de Reis, era o desfazer do presépio e da árvore de Natal, e tudo era encaixotado e guardado religiosamente até ao próximo Natal.

Aqui na terra, para manter a tradição (segundo dizem os sabichões da cultura), assistimos a tudo quanto é Rancho Folclórico ou Associação não sei de quê, a cantarem as Janeiras quase até ao Carnaval. 

Por mais vozes afinadas que tragam, por mais instrumental que toquem, serão sempre cantadas fora do prazo de validade e por mais roupagem e ingredientes que apresentem, nunca terão o paladar de antigamente, mas o sabor a frete, à caça de um cheque com algum numerário.