O TONI
DA TIPOGRAFIA PARA O PALCO
(A NOSSA GENTE)
Desde muito novo, que me habituei a ver o António Magalhães Mendes, no Largo da Ajuda, na extinta Tipografia Minerva aonde era confeccionado e impresso o jornal “ O Tempo “. Mergulhado naquele oceano de abecedários de vários tipos e tamanhos, máquinas e tintas, o “ Toni da Tipografia “ como era conhecido, e já se vê o porquê de tal apelido, lá ia pescando vogais e consoantes que assentava no seu componedor (utensílio sobre o qual um tipógrafo dispõe os caracteres com que vai formando as linhas da composição ) seguro na mão esquerda, onde nasciam sílabas, palavras, ... e por fim a notícia de corpo inteiro. Atada com fio do norte, a notícia era levada ao prelo, que depois de cilindrada com os rolos de tinta, era impressa a 1ª prova, que servia para corrigir erros, por quem percebia mais de gramática e da língua de Camões. Se alguma letra estava sentada no lugar errado, a mesma era retirada com uma pinça com mil cuidados para o texto não se desmanchar. Depois, nova prova era realizada, para ser expedida à Direcção Geral dos Serviços da Censura, e não pensem que mesmo estes jornais regionais tinham a vida facilitada. Para tal, basta consultar o livro “ a política de informação no regime fascista “ para na pág. 68 poder-se ler que só no ano de 1934 “ O Tempo – Penafiel “ foi brindado com 24 artigos censurados. Como neste tempo ainda nem se sonhava com os computadores, e portanto, não era assim tão fácil substituir um artigo por outro, acontecia que o remédio era encher aquele buraco na folha do jornal por um chaço, ou seja, com um anúncio muitas das vezes até repetido nessa mesma edição.
Mas quem havia de dizer, que o nosso amigo Toni estava predestinado para outro tipo de voos, os artísticos. Decorria o ano de 1959, quando o professor Albano Morais fundava o Grupo Cénico Alma Juvenil, e convidou o Toni da Tipografia para o seu elenco. Depois de muitas noites de ensaios, foi levada à cena no já desaparecido Cine-Teatro S. Martinho no dia 10 de Novembro de 1976, pelo Grupo Cénico Alma Juvenil a revista Pé de Vento onde encarnava a figura de Zé Bufão na qual fez o seu baptismo teatral. E de tal forma o bichinho do teatro o agarrou, que passados tantos anos ainda perdura. Albano Morais, escreve com esta magia e encanto o que se pode ainda hoje chamar, o Hino do Alma Juvenil que reza assim: Cidade maravilhosa / Terra de encantos mil / São filhos de mãe vaidosa / Esta “ Alma Juvenil “ / Poetas e prosadores são teus filhos / Que são muitos são ... a granel / Por amor ao teu Torrão / Vive no seu coração / Penafiel. Mas decorria o ano de 1980, quando deu à luz a Revista Seringadelas na qual interpretava o papel de Anjinho. Com a morte de Albano Morais, o grupo atravessou um vazio demasiado longo, até que apareceu Fernando Marques que o faz renascer das cinzas com a revista da sua autoria “Sopa Seca “, onde o nosso amigo faz de Soldado Forte no quadro revisteiro Militares voltam à cidade. Logo a seguir vem, “ Pão e Vinho Verde “aparecendo o Toni travestido de noiva.
Acontece, que nestes últimos tempos, várias vezes vi o Toni depois da hora da janta a passar à minha porta com uma saca plástica na mão, vendo-se no seu interior uma rosca. De tal forma se repetia tal caminhada, que comecei a andar intrigado com aquilo. Mas no dia 24 de Abril passado, consegui desvendar tal mistério. Foi no Clube Cultura e Convívio em Penafiel, ao assistir à revista “ A rir é que a gente se entende “ de autoria de Fernando Marques, que descobri que a dita regueifa fazia parte dos adereços do quadro revisteiro interpretado pelo Toni, que vestido à padeiro e de rosca enfiada no braço apregoava: Eu sou o padeiro / não gosto de coisas toscas / Sou um homem verdadeiro / A fazer as minhas roscas. Nesta mesma peça, o Toni personifica um doente chamado Manel que recorre ao médico, pois não consegue arrear o calhau. Assim, como noutra parte da revista, faz confissões das malandrices que executa à sua namorada. Ora esta revista foi levada à cena pelo Grupo Dramático de Rio Tinto, é que por coisas que agora não vêm ao caso, parte do elenco do Grupo Cénico Alma Juvenil, transferiu-se juntamente com o autor das revistas Fernando Marques para o Grupo Dramático de Rio Tinto.
Mesmo hoje, que a vida não está para risotas, o António Magalhães Mendes, mais conhecido por Toni, continua a ter o condão que mal põe o pé na boca de cena, uma gargalhada geral ecoa na sala, e quando este termina a sua actuação, todo o mundo o aplaude.
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