16 julho 2014

O RIO CAVALUM



O RIO CAVALUM

“Nunca ninguém pensou no que há para além, do rio da minha aldeia”
Fernando Pessoa.


O rio da minha aldeia chama-se Cavalum. O Rio Cavalum, nasce, corre e morre no concelho de Penafiel.

Se actualmente tem a sina de muitos outros rios deste país, ou seja, o seu leito transformado num caudal de esgotos, dizimando a sua fauna e flora, nem sempre foi assim.

A história que aqui vou contar, passou-se há muito tempo, naquele tempo em que ainda as crianças se podiam banhar nas águas límpidas do Cavalum, e os peixes eram visíveis a olho nu a deslizarem nas águas.

Na sua margem direita na freguesia de Milhundos (hoje anexada à freguesia de Penafiel), existia uma grande quinta com o nome de Quinta das Lages, cujo dono era o Barão com o mesmo nome.

Acontece que nesta freguesia morava um engenheiro de seu nome Luís Madureira.



Certo dia começou a magicar que o rio apesar de ter pouco caudal de água, havia de produzir energia eléctrica. Isto claro numa altura em que a electricidade não tinha chegado ao concelho de Penafiel.

Se ideias não lhe faltavam, dinheiro para as por em prática é que nem vê-lo.

Foi então que certo dia, resolveu esperar no portão da Quinta das Lages a saída do Barão.

- Senhor Barão!... Gostava que me desse dois minutos de atenção.

- Agora não, que estou atrasado, mas amanhã apareça pelas três horas da tarde.

Assim, no dia seguinte lá estava o engenheiro Luís Madureira com um braçado de papéis à hora combinada. Entraram para a morada da quinta em forma de castelo, e lá falaram demoradamente, sobre a possibilidade de tanto a moradia como até a própria quinta ter iluminação. 

O Barão ficou de tal maneira entusiasmado pela ideia, que no dia seguinte já estava a pedir orçamentos para tal execução.


Sô Jaquim que era o feitor da quinta, falava disto a toda a gente na tasca do Bebe Zé. A notícia espalhou-se por toda a freguesia e concelho, embora fossem mais os incrédulos que os que acreditavam.

As obras começaram a bom ritmo orientadas pelo engenheiro Luís.



Aproveitando o declive da quinta e a força da gravidade, fez um caleiro que levava a água do rio para um poço, construído na casa dos motores. Este reservatório em forma de poço quadrangular, tinha um volante na parte inferior, que aumentava ou diminuía a pressão da água à sua saída, que por sua vez movimentava um dínamo, cuja corrente gerada, era armazenada em baterias.



Mal a noite caía uma rede de lâmpadas espalhadas pela quinta acendiam, iluminando o caminho desde a casa até ao portão de entrada da quinta. 

Sô Jaquim, recebia instruções sobre electricidade do Engenheiro Luís, e por isso creio que foi o primeiro electricista feito à pressão (pois nessa altura ainda não existiam Novas Oportunidades) cá do sítio.

Mal a obra foi concluída, Sô Jaquim entrava de papo feito, na tasca do Bebe Zé, a mostrar os seus conhecimentos sobre o funcionamento de todos aqueles mecanismos. 

- Eu não vos dizia, que o Rio Cavalum ia produzir electricidade?

- O Engenheiro Madureira é uma categoria.

Se os trabalhadores da quinta andavam maravilhados, diariamente pelas dezanove horas, muitas pessoas que viviam nas redondezas aguardavam o acender das lâmpadas, para depois irem contar para casa, ou falar na tasca do Bebe Zé do que tinham visto.

No entanto, quem havia de dizer, que este melhoramento, haveria de custar a vida do Barão das Lages.

Certo dia de Verão, em que o calor transforma o nosso corpo num corrupio de suor, o Barão resolveu ir todo suado até às estopinhas, descansar na casa das máquinas expondo-se a uma corrente de ar que lhe originou uma pneumonia que o levou desta para melhor.


Os trabalhadores da quinta, quando souberam da notícia, tiveram ganas de partir toda aquela aparelhagem, responsabilizando-a pela morte do patrão, mas tal tarefa estava entregue ao progresso que mais tarde se instalou, tornando toda esta aparelhagem obsoleta e o Rio Cavalum fora dos mapas dos rios produtores de energia eléctrica, restando apenas na casa das máquinas o quadro em mármore, o poço em pedra e os mosaicos com os nomes dos físicos colados nas paredes.


E depois de tudo isto, você ainda se lembra do nome do rio que passa na minha terra?

1 Comments:

Blogger carvalhosameiro said...

Parece-me que se justificava gastar algum dinheiro do muito desperdiçado por aí, para repor o mais possível essa "geringonça".Trata-se de algo com muito valor histórico.

12:12 da tarde  

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