27 agosto 2007

O NAMORO

O NAMORO
 
 
 
Há coisas em que o homem se mete, sem saber o resultado final das mesmas. Este estado de incertezas leva-o a pedir protecção a tudo que tenha à mão. 
 

 
Assim, o namoro que nunca se sabe se vai dar certo, também elegeu o seu santo protector. É que nesta vivência como noutra, uma “cunha” dá sempre jeito. Neste caso o escolhido foi S. Valentim que se festeja no dia 14 de Fevereiro. 
 
S. Gonçalo de Amarante
 
Logo que os noivos pensam em casar as funções deste santo terminam, ou melhor, são transferidas para Santo António ou S. Gonçalo dois santos casamenteiros por vocação, e daí S Valentim livra as suas responsabilidades de o casório dar certo ou em casa e descasa como dizia o nosso amigo brasileiro Jô Soares.
 


O símbolo por excelência do amor é o coração. Por isso quem percorre os jardins da cidade, ainda encontra gravadas nas árvores a talhe de canivete corações e o nome da rapariga mais o nome do rapaz, como que, a dar a conhecer o amor de ambos ao mundo.

 

Antigamente o namoro procurava recantos da cidade a puxar ao romantismo como sejam os jardins públicos. Hoje, como grandes espaços dos mesmos estão tomados por toxicodependentes o namoro refugiou-se nos cafés, nos cinemas ou até sem respeito pelos outros que vão à sua vida nos passeios da cidade.

 


 

Com o tempo, certos emblemas do amor caíram em desuso, como é o caso dos lenços de namorados. As moças bordavam simbolicamente corações, pombas, flores e também frases carinhosas como: “Amor quando te vejo o meu coração “, e ofereciam como verdadeira declaração ou aceitação de namoro. À dádiva dos lenços apareceram algumas canções como estas:

O lencinho que bordaste

Tem dois corações ao meio

Olha, amor, já te alembras

Donde este lenço me veio

Outro símbolo de carácter amoroso era a janela da casa da amada

Menina estás à janela

Com o teu cabelo à lua

Não me vou daqui embora

Sem levar uma prenda tua

Eu hei-de ir à tua rua

Saltar à tua janela

Só pra ver a tua cama

Se cabemos, amor nela.

As penas que vulgarmente se usavam nos chapéus, como enfeite, nas canções amorosas sugerem paixões, senão vejamos:

A pena com que te escrevo

Não na tirei ao pavão

A tinta sai-me dos olhos

A pena do coração.

 


 

Uma declaração de amor expressa em réplica dos 10 mandamentos e publicada na Revista Brigantia diz o seguinte:

1º - É amar a Deus sobre tudo quanto há

Eu a Deus amo no céu, e a ti amo-te cá.

2º - É não jurar, o seu santo nome em vão.

Eu cá fiz uma jura que foi dar-te a minha mão.

3º - É guardar, domingos e dias santos.

Eu bem o tenho guardado. Por causa dos teus encantos

4º - É honrar, nosso pai e nossa mãe.

Eu bem os tenho honrado, mas honro-te a ti também

5º - É não matar. Eu nunca matei ninguém.

Mas matava se pudesse saudades que o peito tem

6º - É não furtar. Não roubei nada a ninguém

Mas roubava-te se pudesse ao teu pai e à tua mãe

7º - É guardar castidade. Eu, bem castigado tenho sido.

Por causa dos teus encantos, trago o meu sono perdido

8º - É não levantar testemunhos inesperados

Eu nunca os levantei, nem aos meus doces amados

9º - É não desejar, a mulher do semelhante.

Quem vem aqui por te ver, já te tem amor bastante

10º - É não cobiçar. Nunca cobicei nada a ninguém

Só desejava cobiçar-te, ao teu pai e tua mãe

Estes Dez Mandamentos

Em dois se vão encerrar

Convém saber amar a Deus

Mas a ti hei-de-te amar.

Embora se diga que “casamento e mortalha no céu se talha”, ainda hoje muitas das vezes são os pais que talham a sorte dos filhos na escolha do casamento, em especial para as filhas. Por isso é que os pais guardam as filhas como recomenda o cancioneiro minhoto: Ó ferreiro guarda a filha / Não a ponhas à janela / Anda aí um sujeitinho / Que não tira os olhos dela …. Ó ferreiro guarda a filha / Não a ponhas ao postigo / Anda aí um rapazinho / Que a quer levar consigo.

 


 

A noiva que tivesse relações sexuais antes do casamento, não merecia o ramo no dia da boda. Hoje para não se rir o sujo do lavado levam-no todas e pronto. É que também neste caso a nódoa era só para a rapariga. Para contradizer esta teoria, o movimento hippie nos anos 60, para além do slogan “Faça amor, não guerra”, tinha outro muito castiço em defesa do amor livre que dizia assim: “A virgindade provoca o cancro, vacine-se”.

 

Viriato da Cruz

Em forma de despedida, vou lembrar o verdadeiro hino ao namoro escrito pelo poeta angolano Viriato da Cruz, que reza assim:

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
E com letra bonita eu disse, ela tinha
Um sorriso luminoso tão triste e gaiato
Como o sol de Novembro brincando de artista
Nas acácias floridas, na fímbria do mar

Mandei-lhe um cartão
Que o amigo Martinho tipografou
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto "sim", noutro canto "não"
E ela o canto do não dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do sete
Pedindo e rogando de joelhos no chão
Pela senhora do Cabo, pela Santa Efigénia
Me desse a ventura do seu namoro
E ela disse que não

Mandei a Vó Xica, quimbanda de fama
Areia de marca que o seu pé deixou
Para que fizesse um feitiço e seguro
E dele nascesse um amor como o meu
E o feitiço falhou

.... .... .... .... .... .... .... .... ....

Para me distrair levaram-me ao baile
Do Sr. Januário, mas ela lá estava
Num canto a rir, contando o meu caso
Às moças mais lindas do bairro operário

Tocaram a rumba e dancei com ela
E num passo maluco voámos na sala
Qual uma estrela riscando o céu
E a malta gritou: "Aí Benjamim!".
Olhei-a nos olhos, sorriu para mim
Pedi-lhe um beijo, la la la la la
E ela disse que sim
E ela disse que sim.
E a malta gritou... Aí Benjamim!...

E acrescento eu... - E valha-lhes S. Valentim!...
 
Fernando Oliveira - Furriel de Junho