OS SINOS
OS SINOS
Sou do tempo em que o toque dos sinos, regulavam a nossa vida.
Ao meio-dia o sino assinalava com três badaladas fortes seguidas de doze mais leves para as pessoas fecharem as suas portas no comércio para irem almoçar e só abririam ás duas horas da tarde.
Ás seis e meia da tarde era o toque das Trindades e terminavam os trabalhos no campo e o lavrador recolhia ao seu lar.
O toque a incêndio era dado com o número de badaladas variável, para anunciar a zona onde se estava a desenrolar o mesmo.
Religiosamente falando tanto podem ser de uma tristeza profunda, como de muita alegria imensa. Na primeiro caso, a morte era assinalada com duas fiadas de toques caso fosse mulher e mais uma se o defunto fosse homem. Mas as crianças consideradas anjinhos levavam um repique, já que a sua alma ia pura para o céu.
Os casados à saída da igreja eram presenteados com um repique, assim como no final dos baptizados os meninos ou meninas que alegremente eram levados à Pia Baptismal nos braços das parteiras no meu tempo e saíam no aconchego da mãe. Também sou do tempo em que os soldados quando regressavam da Guerra Colonial, geralmente os seus pais mandavam dar um repique como agradecimento do seu filho chegar são e salvo.
Para chamar os fiéis à missa davam-se três toques de aviso. O primeiro era quando faltava meia-hora para a mesma começar, o segundo a faltar 15 minutos e o terceiro quando o acto litúrgico ia iniciar.
As novenas pelo menos as de S. José na Igreja da Ajuda também tinham os três toques de sino tal como as missas.
Na Páscoa quando o Compasso Pascal ao som das suas campainhas passa em frente de algum templo, é recebido com repique, assim como qualquer procissão, excepto a do enterro do Senhor na Semana Santa.
Templos há que possuem um conjunto de sinos designados por carrilhão. Se o maior do país se encontra em Mafra, na nossa terra temos um no Santuário de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos, oferecido pelo grande benfeitor Sr. Rodrigo da Costa Babo, em 1908.
Isto para não falar na sineta da escola que tocava para a entrada, para o recreio e para a saída dos alunos.
Como vemos o sino tem muita importância nas nossas vidas.
Isto vem a propósito de no ano de 1954 o sino da Igreja do Divino Salvador em Novelas se encontrar rachado, e não ser audível na freguesia o seu toque.
Para a recolha de fundos foram criadas duas listas para percorrerem a freguesia, sendo uma encabeçada pelo Padre António Ferreira Baptista e a outra pelo professor Fernando Coelho dando início ao peditório, não se poupando ambas a esforços.
A colaboração dos novelenses foi de tal ordem, que rapidamente conseguiram juntar as verbas suficientes sendo o sino colocado e pago num curto espaço de tempo, que alguém apelidou de milagre.
Num préstimo de contas aos paroquianos, tanto as listas dos subscritores, como o recibo da firma fornecedora do sino, foram afixadas no átrio da Igreja, para que todas as possam consultar.
Se no antigamente todos estes toques eram executados manualmente, hoje está tudo comandado electónicamente, bastando um simples dedo para carregar na tecla correspondente para tal funcionar. Agora que todas as igrejas estão dotadas de relógio até estes vão dando as meias e as horas no decorrer do dia, excepto aqueles que se encontram parados ou avariados como são o caso da Igreja da Misericórdia e da Matriz.
Ontem como hoje, os sinos fazem parte das nossas vivências, num mundo cada vez menos humano e mais digital, onde os valores morais vão-se diluindo no tempo, e a corrupção e a cunha tornaram-se símbolos nacionais.
E para terminar, nada melhor do que um poema ao sino da minha aldeia, escrito pelo Fernando que não sou eu, mas sim o Pessoa.
Ó sino da minha aldeia*
,
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Oliveira - Furriel de Junho
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