26 abril 2006

O Mário Silva - Alfaiate

O Mário Silva - Alfaiate
(A Nossa Gente)
Quem calcorreava a cidade em tempos que já lá vão, por vezes dava de caras, com grandes ferros de brunir com carvão incandescente, junto das soleiras das portas ou mesmo nos passeios das ruas seculares desta cidade de Penafiel. Era o sinal que por ali perto vivia um alfaiate. Estes mesmos ferros, na altura da procissão do Corpo de Deus, queimavam incenso impregnando a atmosfera deste perfume angelical. Nesses tempos abundavam em quantidade e qualidade, os profissionais da arte de medir, riscar, cortar, alinhavar, coser, pregar botões e brunir, ou seja fazer fatos à medida da pessoa. Entre o tirar as medidas e o acabamento final, havia a prova. Aí, o cliente vestia o fato alinhavado e o mestre alfaiate de fita métrica ao pescoço e giz na mão dava-lhe os últimos retoques ou correcções, para o mesmo assentar como uma luva no dia da entrega, que naquele tempo era na casa do cliente. Mas se todos sabiam fazer calças, casacos, samarras, etc., havia uma alfaiataria que tinha uma especialidade específica que era a dos irmãos Quintas, que funcionava junto à estação de camionagem do Alberto Pinto, na Rua Penafidelense, mais propriamente onde hoje se encontra o Restaurante Parisiense. Naquela oficina de alfaiataria, o forte eram batinas para padres, quando esta classe se diferenciava dos comuns mortais no dia a dia, com esta vestimenta até aos pés e colarinho branco no pescoço.
Com a indústria têxtil e os pronto-a-vestir a proliferarem por todo o lado, poucos são os que sobrevivem na urbe. Enquanto no pronto-a-vestir é o corpo que se afeiçoa ao fato, no fato por medida é o fato que se ajeita ao corpo. O dono da oficina da agulha e do dedal, geralmente vivia no 1º andar, pelo que bastava descer ao rés-do-chão a qualquer hora, para atender o freguês mais atrasado.

Um dos sobreviventes é o senhor Mário Silva na Rua Alfredo Pereira, entre os amigos mais conhecido por Mário Pité. Alto, magro, com o seu boné à Pedroto de cor branca enfiado na cabeça, lá vai cumprimentando amigos e vizinhos rua acima ou rua abaixo. Quem passava pela sua oficina, dava (e digo dava, porque actualmente já mudou de visual) de caras com uma janela decorada a azul e branco. Eram fotos de dragões (jogadores do Futebol Clube do Porto), estandartes do mesmo clube e até um boneco das Caldas de puxar o cordel e subir o bacamarte vestido à jogador do glorioso Penta Campeão. Se a nível clubista não resta qualquer dúvida, que o nosso amigo é um portista ferrenho, na questão política já não se pode dizer o mesmo. Aí os símbolos iam desde o P.S. com uma foto de Mário Soares, passando por um porta-chaves do P.S.D. e uma cassete de música do C.D.S.. Pode-se dizer que o nosso amigo não se encontra preso a nenhum partido político, escolhendo caso a caso, ou seja, eleição a eleição, o que lhe parece melhor para o país ou para a terra, caso trate-se de eleições autárquicas.
Agarrado à sua velha máquina de costura Singer de dar ao pedal, das suas mãos, vão nascendo casacos, calças, calções com a magia do tempo dos nossos avós, aprendida à chapada e bofetão que era a escola de aprendizagem de qualquer arte em tempos que já lá vão, e que volta e meia, quando a fiscalização aparecia, era preciso dar à sola com o mocho da oficina às costas pelas portas traseiras, para salvar o patrão de uma multa.

São estes homens, que se impõem à sociedade pelo seu trabalho, e sabem o sabor do pão que o diabo amassou, que fazem a diferença numa sociedade egoísta de então.

Fernando José de Oliveira

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ola Mário, sou brasileiro, neto de português, tenho até hoje saudades de meu avô que em minhas férias escolares fazia questão de passar meu tempo na presença, ele era um alfaiate muito conhecido e querido aqui na cidade de Barra Mansa - Rio de Janeiro, bons tempos pois hoje ninguém mais conhece esta profissão, foi justamente pesquisando sobre seu passado que achei o blog e li seu artigo sobre os alfaiates de Penafiel. Por muito tempo me perguntei porque meu avô deixou Penafiel e veio para o Brasil exercer esta profissão, sei ainda que seus pais eram muito ricos, o que me deixa mais intrigado, ele foi nascido por volta de 1911, talvez a fiscalização na época fosse o motivo ou talvez um demanda grande de alfaiates na região, mas uma coisa agora eu sei, como ele se tornou alfaiate ( a chapada e bofetão ) - Abraços

6:45 da tarde  

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