01 maio 2022

GREVE DOS SAPATEIROS EM PENAFIEL

GREVE DOS SAPATEIROS

EM PENAFIEL


Em tempos longínquos, o sapateiro era um artesão que executava a arte de fabricar sapatos. Actualmente com a industrialização, o trabalho do sapateiro limita-se a consertos do calçado tanto de homens como de senhoras e crianças.

No dia 9 de Dezembro de 1915, na sede da Associação da Classe dos Operários Fabricantes de Calçado e Artes Correlativas em Penafiel, situada na Av. Sacadura Cabral, foram eleitos os Corpos Gerentes, para funcionar no ano de 1916.

Foram eleitos os seguintes cidadãos:

Direcção

Presidente – António Victor Couto

Secretário – Joaquim Freire da Silva Nunes

Tesoureiro – Luiz Ferreira Ribeiro

Vogais – Laurentino Pereira de Carvalho e Carlos Marques

 

Assembleia Geral

Presidente – Arthur Pereira de Carvalho

1.º Secretário – António Batata

2.º Secretário – Joaquim António de Bessa

 

Comissão Revisora de Contas

Presidente – Celestino Pestana

Vogais – Zeferino Pinto e Cândido Teixeira

 


A 4 de Janeiro de 1916, a Associação da Classe dos Operários Fabricantes de Calçado e Artes Correlativas de Penafiel, que reivindicava aumentos de 40% do seu ordenado, declarou-se em greve.

Entretanto os industriais foram convidados para reuniões na sede destes para tratarem do assunto, mas nem sequer se designaram a comparecer.


 

Nesse intervalo de tempo, foi distribuído um manifesto pela cidade da Associação de Classe dos Operários Fabricantes de Calçado e Artes Correlativas em Penafiel, onde se podia ler que:

“As obras que há três anos antes, eram pagas a 0$70, agora são pagas a 0$50.

As obras que eram pagas a 0$60, agora são pagas a 0$40.

As que eram pagas a 0$45, agora são pagas a 0$32.

Além disto nessa época davam-nos para os preparos 0$04, quando o fio nos custava 0$03,5, agora custa 0$07, os bicos de ferro que eram pagos por 0$05, agora custam 0$15 e a garuja, que custava 0$14, agora custa 0$40, e os mesmos preparos continuam a sendo pagos a 0$04 centavos!”

 


 

No dia seguinte, 5 de Janeiro, os industriais de sapataria desta cidade de Penafiel, Gregório Nogueira Soares, Joaquim de Oliveira (O Gordo), Germana Coelho Ribeiro & irmão, Albano Coelho Ribeiro e Antero Alípio da Silva, declaram através de um comunicado, que encerram temporariamente as suas oficinas, devendo os operários que ali têm ferramentas, procurá-las até ao dia 17 do corrente mês.

 

Devido ás fracas condições económicas dos grevistas, o Sr. Américo Pinheiro de Moraes, abriu na sua casa Singer um peditório que recolheu 27 escudos e 4 centavos, que foram distribuídos pelos chefes de família e operários mais necessitados.

Eis a lista de nomes e importâncias entregues:

Luiz de Sousa – $50

Roque da Silva – $50

Vasco de Sousa – $50

Domingos da Costa – $50

António Vieira – $50

António Victor Couto – $50

Manoel Alves – $50

Joaquim da Rocha – $50

Serafim Lopes – $50

José Pussil – $50

Sebastião Peixoto -$50

Adão Peixoto – $50

António Pussil – 1$00

Anníbal Teixeira – $50

António Rodrigues (Novellos) – $50

Germano Pinto – $50

António Pereira de Carvalho – $50

António Pinto – $50

Manoel Valle – $50

Carlos da Conceição Marques – $50

Victorino Ferreira da Silva – $50

Domingos Ferreira – $50

Germano Roque da Silva – $50

Décio Barbosa de Freitas Braga (Cara Rôta) – 1$00

Mathias da Silva – $50

Francisco Roque da Silva – $50

Joaquim de Sousa Júnior – $50

Affonso da Silva – $50

Manoel Nogueira – $50

Thomaz dos Santos – $50

Augusto Vieira – $50

Albano Acácio Moreira – $50

Diogo (Pêgo) – $50

Vasco Martins – $50

Joaquim Henriques de Almeida – $50

Manoel da Silva – $50

Francisco Pacheco de Meirelles – $50

António Batata – $50

José de Casaes – $50

José Maria Coelho – $50

António Pinto Leal – $50

Victorino Ferreira Coelho – $50

António Prior – $50

Joaquim José de Sousa Motta (Perna Gorda) – $50

António Rodrigues Benedicto – $50

Francisco Accácio Moreira – $50

Joaquim Narciso – $50

Cândido Teixeira – $50

José da Silva – $54

Affonso Lopes – $50

Joaquim Rodrigues Campello – $50

José da Rocha Mattos – $50

Totalizando 27$04

 


 

Domingo, 9 de Janeiro de 1916, cerca das 11 horas, na sede Associação da Classe dos Operários Fabricantes de Calçado e Artes Correlativas, na Av. Sacadura Cabral, foi hasteada a sua bandeira de classe, vendo-se em frente do edifício um grande número de grevistas e muito povo, tendo o grevista Celestino Pestana falado ao público da varanda, explicando as causas que deram motivo à greve, discursando de seguida o delegado da União Operária Nacional, do Porto, Manoel Joaquim de Sousa com palavras de incitamento, aconselhando que mesmo com grandes sacrifícios, se mantivessem solidários e não desistissem das vossas pretensões, porque com eles estava a simpatia de todo o povo de Penafiel.

 


De apoio aos grevistas e suas famílias, foi criado na sede uma cozinha solidária, com caldeirões cedidos pelo Regimento de Infantaria 32, sediado no quartel desta cidade de Penafiel. Neste dia, o almoço servido constou de bacalhau e batatas, oferecidos pelo comerciante sr. António Fortunato da Silva Babo.

Todos os dias os grevistas percorriam, em manifestações ordeiras, as ruas da cidade, soltando diferentes vivas. 

Quando nada previa uma solução a curto prazo para terminar com esta greve, eis que no dia 15 de Janeiro foi convocada pela Administração do Concelho, tendo tomado parte o sr. Administrador Dr. António Teixeira da Silva Leitão, uma reunião com ambas as partes em conflito, tendo no final as mesmas chegado a um acordo, pondo fim à greve, tendo os industriais avisado os operários fabricantes de calçado, que a partir de segunda-feira, dia 17 retomarem o seu trabalho.

 


 

Assim, todos retomaram o seu posto de trabalho, excepto os que trabalhavam na casa do Sr. Gregório Nogueira Soares, que por ofício fez saber que deixava de ser fabricante e passava a ser unicamente revendedor de calçado.

 

Talvez, quem sabe, tenha sido esta a maior greve até hoje realizada em Penafiel.

Afinal de contas, a Liberdade também passou por aqui, em tempos que já lá vão, muito antes de Abril aqui passar… quem diria!

Fernando Oliveira – Furriel de Junho

3 Comments:

Blogger Maria Lima said...

Li com muito interesse o seu texto que muito apreciei. Gregório Nogueira Soares e Albano Coelho Ribeiro, mencionados no texto, foram meus tios avós por terem sido casados com duas irmãs da minha avó. Tanto quanto me tenha sido contado na família, e agora já todas as pessoas que conviveram com eles já desapareceram, Gregório Nogueira Soares manteve a atividade de sapateiro até bem depois dessa data. Minha Mãe que nasceu em 1917 recordava-se da fabricação dos sapatos e de ele ter, segundo as palavras dela, “ mais de dez gaspiadeiras a trabalhar para ele e vários operários sapateiros, além de trabalho que dava, à peça, a pequenas oficinas do ramo.”. Foi fabricante de botas para o batalhão expedicionário português que participou na 1ª guerra mundial (1914-1918) em que Portugal só entrou em 1916. Disso estou certa já que ainda me lembro de ver uma placa, tipo tabuleta, em esmalte, atirada para um canto de uma arrecadação, em que se mencionava esse facto e de a minha tia, que fora sua mulher, possuir um diploma de distinção pelo facto. Lamentavelmente esses preciosos documentos desapareceram sem deixar rasto. Segundo contava a minha avó e depois a minha Mãe a fábrica foi primeiro no prédio, na praça Municipal, onde depois foi o Café Bar e depois na Travessa do Bom Retiro, no prédio recentemente remodelado, frente ao antigo Cinema S. Martinho.
Provavelmente na altura da greve que refere resolveu desistir da atividade mas ou nunca aconteceu efetivamente ou retomou-a.
Mais uma vez quero manifestar-lhe o meu apreço não só por este texto mas também por muitos outros que mantêm a memória de Penafiel

9:01 da tarde  
Blogger Fernando Oliveira said...

São destas pequenas coisas que se alimenta a estória fora da história da Nossa Terra que é Penafiel. Obrigado pelo seu comentário que acrescenta certas vivências, e pena foi ter desaparecido a tal placa de que fala, pois na altura talvez não houvesse a sensibilidade que há hoje para preservar estas coisas.

10:04 da tarde  
Blogger Maria Lima said...

É bem possível que a placa tenha desaparecido há relativamente pouco tempo. A casa, por morte de Gregório ficou a ser propriedade da sua viúva (a tal minha tia-avó). O casal não tinha filhos. Este casamento era já o segundo casamento de Gregório Nogueira Soares e do primeiro casamento houvera uma filha que morrera uma semana depois de nascer. Porém Gregório tinha uma outra filha, fora do casamento que a minha tia entendeu dever criar e que muito estimava. Gregório faleceu no início dos anos 40, a sua viúva (a minha tia) voltou a casar por volta do início de 1947, mas sempre continuou a ter uma excelente relação com a filha de Gregório, nessa altura já casada e que tratava a minha tia carinhosamente por “mamã”. A minha tia faleceu em 1971 legando o prédio da Avª Sacadura Cabral e Tr. do Bom Retiro a umas sobrinhas e às duas filhas da filha de Gregório. O recheio da casa deixou-o ao então seu marido. Perante tal confusão de propriedade as novas proprietárias trataram de vender a casa rapidamente e o viúvo retirou o que lhe interessava no recheio. Assim nunca mais soube exatamente o que aconteceu ao recheio da casa que foi sucessivamente alugada e que até há pouco tento estava totalmente degradada. Tanto quanto pude ver foi totalmente reconstruído. È bem possível que a placa que, tanto quanto me recordo se encontrava numa espécie de saguão com um acesso à casa muito pequeno, junta com muita outra tralha só agora, com esta grande intervenção tenha sido removida junta com o muito lixo que lá poderia ainda estar. Uma pena. Resta a memória.

1:16 da manhã  

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