A CAVALHADA
A CAVALHADA
Desde
miúdo, do que gosto mais das Festas da Cidade de Penafiel, é da
Cavalhada, que se exibe na véspera do dia dedicado ao Corpo de Deus. Este ano de 2023, devido ao mau tempo, não se efectou no dia previsto no programa das Festas, saindo à rua no sábado seguinte, ou seja, no dia 3 de Junho.
O cortejo da mesma é organizado no Campo do Conde de Torres Novas, e percorre as Avenidas Egas Moniz, Sacadura Cabral, entrando na Praça Municipal, Rua Joaquim Cotta, Largo da Ajuda, Rua do Paço, Largo Padre Américo antigo Largo da Misericórdia, parando em frente ao município.
Quem abria o desfile eram os gigantones com os seus vestidos com cores garridas, que se moviam ao som de bombos e gaitas de foles, dando um ambiente festivo e alegre.
Depois lá vinha a cavalhada com um grupo de cavaleiros vestidos à moda antiga, transportando uma lança encimada com uma bandeirinha de forma triangular, com uma da face de cor vermelha e a outra de cor branca (cores da bandeira da cidade) com o emblema da Junta de Freguesia de Penafiel impresso, que faziam a guarda de honra à figura da cidade que era transportada num coche por uma parelha de cavalos, juntamente com duas meninas.
A figura simbólica que representava naquele momento o Povo de Penafiel, tal como hoje, punha-se de pé, retirava o charuto da boca, se curvava reverente diante do Presidente e Vereadores municipais que se encontravam na varanda da Câmara, desenrolava o pergaminho (cartolina enrolada), que continha a saudação e com voz alta e sonante e gestos largos lia os versos que a compunha:
Por entre louca alegria
O entusiasmo, a devoção
Que a magnitude do dia
Nos vem pôr no coração,
Venho altivo e contente,
Em nome da boa gente,
Que sabiamente regeis,
Presta-vos preito
D’homenagem e respeito,
Que só se presta aos reis.
A quem sempre tem pugnado
Pelos interesses de um povo
Venho, agora de novo,
Prestar-lhes veneração.
Neste meu arrazoado
Não há palavras banais;
Há ecos bons e leais,
A verdade incontestável,
O sentimento invejável
Do nosso bom coração.
Um viva, pois, boa gente,
Aos nossos bons protectores,
Aos ilustres vereadores
Desta fiel cidade.
Curvando-nos reverentes,
Perant’estes bons senhores,
Não lhes prestamos favores;
Prestamos-lhes a homenagem
Que é uma como imagem,
O símbolo da lealdade.
O discurso terminava com uma vénia. O nosso homem saía do coche e subia a escadaria da Câmara juntamente com as duas meninas para depor nas mãos do Presidente o pergaminho que acabava de ler, e as meninas um ramo de flores.
De volta, fazia uma vénia e a cavalhada retirava-se com a figura simbólica da cidade.
Nesses tempos que já lá vão a colcha de seda branca bordada a ouro que se encontra hoje no Museu Municipal, pendia da varanda da Câmara.
Durante o século XX a figura da cidade foi interpretada por várias pessoas entre elas: António Alves Pereira o célebre Dr. Cadeiras, Manuel Ferreira Quintas mais conhecido por Manuel Ceguinho, Albano Acácio Moreira, Rita -Puxa de alcunha, Adérito de Sousa Mendes e Mário Cerqueira por alcunha o Bispo, em virtude de representar tal personagem na Serragem da Velha e actualmente é desempenhada pelo nosso conterrâneo Joaquim de Sousa Oliveira também conhecido pelo Carriço.
Acontece que os versos declamados pela figura da cidade, nem sempre foram os mesmos, pois tempos houveram que os mesmos era direccionados directamente ao Presidente e Vereadores.
Assim, em 1842 e 1852, Francisco José dos Santos Paula escreveu estes versos para serem declamados pela figura da cidade à época. Os mesmos escritos que vou reproduzir com a ortografia desse tempo, rezavam assim:
1842
Illustríssimo e Respeitável
Município
Desta Cidade
de Penafiel
António Coelho de Menezes Guimarães, era fiscal e servia de Presidente durante a ausência deste, contudo a partir de 30 de Junho de 1842, passa a ocupar mesmo o lugar de Presidente.
Ex.mo Fiscal substituindo o Presidente
Câmara, que representas,
A illustrada Penafiel,
De teu governo o baixél,
Que bem livras das tormentas!
Digno Fiscal apresentas,
Em dotes tão iminente,
Que até do teu Presidente,
Lhe confias o logar;
E bem podes descansar
Em MENESES excellente.
Ao Ex.mo Sr. Monteiro Guedes
Também, Câmara immortal,
Concorre para o teu lustre,
MONTEIRO GUEDES illustre,
Nosso amigo natural.
Louca soberba fatal
Não lhe vemos, nem vaidades;
E quando as realidades
De seus Fóros o innobrecem,
Mais do que êlles resplandecem,
Suas altas qualidades.
Ao Ex.mo Sr. Jacintho Leal de Lemos
Agora fiel resénha
Dos mais teus Membros farei;
Por LEAL começarei,
Que, seu nome desempenha.
Ha ahi quem virtudes tenha,
Mas êlle não as tem menos;
Em dar-nos dias serênos
Nós o vemos desvelado,
E por isso tão amado
É de grandes e pequenos.
Ao Ex.mo Sr. João Victorino d'Araújo
Vejamos também se affécto
Araújo nos merece
Ceos, e quem não reconhéce
Neste o seu maior dilécto!
Do povo amigo discréto
Sabe sêr sem demazia;
Nosso bem é o seu guia,
Mas sem offensa da lei,
Que d`outra sórte não sei
Como êlle amavel seria.
Ao Ex.mo Sr. António Joaquim de Carvalho
De CARVALHO esclarecido
No bélo porte não fálo,
Nem he mister nomeálo,
Por sêr de todos sabido.
He êlle ao povo querido,
O voto do povo he seu;
Não o bem-digo só eu,
Toda a comarca o bem diz,
E este cidadão feliz
Sempre attenção lhe mereceu.
Ao Ex.mo Sr. Bernardo José da Costa Guimarães
Tem em fim neste congréço
Costa Guimarães assento,
De quem alto luzimento
Com todo o mundo confésso.
A todos perdão vos peço,
Por que destes e mais Varões
Louvar não sei as áções
Bem como não sei regêr
Esta que deverá sêr
A mais béla das Funções.
1852
Illustrissimo Município
Para o Ex.mo Sr. Presidente
Sebastião Pereira de Almeida Borges
Prezidente esclarecido
Deste Município Honrado,
He seu povo affortunado
Por vos ter bem ellegido:
De virtudes revestido
A sua glória fazeis,
Se o cargo, que bens regeis,
Deveis a vossa elleição,
Ao vosso bom coração
Ainda mais o deveis:
Para o Ex.mo sr. Fiscal
Idolatrado Fiscal
Desta Câmara famoza
Da Cidade gloriosa
Acceitai fé sem igual:
Não vos impeça algum mal,
Sempre venturas tenhaes,
Pelo bem que governaes
O Céo queira proteger-vos,
Sempre em sua guarda ter-vos,
Para abrigo dos Mortaes
Para o Ex.mo Sr. Dr. Cabral
Illustre Vereador,
Do Município ornamento,
E do fôro o luzimento,
Da virtude o resplandor;
Deste povo o valedor,
Deste povo o mais feliz,
Por achar um tal Juiz,
Sendo o seu voto o melhor,
Recebei do nosso amor
As provas mais varoniz
Para o Ex.mo Sr. Ferreira
Simão Rodrigues Ferreira,
Entre os vossos companheiros,
Tendes dotes verdadeiros
D' uma probidade inteira;
Não fala vóz lizongeira,
Hé Penafiel, que fala,
Deveis, senhor, estimalla,
Que Penafiel hé boa,
E com a vossa pessoa
Em prazer toda se aballa.
Para o Ex.mo Sr. Torres
Sois, ó Torres, o escolhido
Da Nobre Penafiel,
Que tendes vós o laurel
Da virtude merecido:
Este povo o mais subido
Do coração vos adora,
Que nunca vos ponheis fora
Desta Câmara o deseja,
Que feliz sempre vos veja
E adorado como agora.
Para o Ex.mo Sr. Macedo
O suffragio popular
Hé grande couza, ó Macedo,
Do povo não tenho medo
Quem o puder alcançar.
Vós podei-vos gloriar
Deste suffragio feliz
Todo o mundo vos bem diz,
Que sois do povo querido,
Sede a Deus agradecido,
Porque Deus assim o quiz.
Para o Ex.mo Sr. Castro
Gonçalo de Moraes e Castro,
Sois o nosso Vereador,
E tendes o nosso amor
Tão puro como o Alabastro;
Deste povo sois o astro
Pois com vosco sympathisa,
Vós sois a sua devisa,
E se não se desviar
De certo há de alcançar
A virtude que precisa.
Por fim vinham os ranchos folclóricos e os bailes que cantavam e dançavam durante o percurso, exibindo-se em frente à Câmara.
O que mais me chamava a atenção era o Baile dos Ferreiros.
O mestre do Baile dos Ferreiros, ora passando as espadas por cima da cabeça dos seus elementos, ora por baixo dos seus pés, ao som da gaita de foles e da caixa que ia debitando notas musicais e marcando o ritmo da dança, mostrando apesar da sua idade uma destreza e uma agilidade que não era para qualquer um.
Outros há que gostam mais da Procissão do Corpo de Deus do que da Cavalhada e estão no seu direito, já que gostos não se discutem e cada qual tem os seus.
Mas espero que me desculpem o que vou dizer agora, mas por mais confrarias religiosas ou de comes e bebes que incorporem a procissão, por mais anjinhos transportados por um carro triunfante puxado por bois ou por um veículo mecânico, por mais figurantes que leve nos quadros bíblicos e figurões na cauda da mesma, continuo a gostar, ontem como hoje, muito mais da cavalhada.
Fernando Oliveira – Furriel de Junho
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