MÚSICAS NOVAS EM TEMPOS VELHOS
MÚSICAS
NOVAS
EM TEMPOS VELHOS
Cresci
a ouvir o Nacional Cançonetismo, canções como “ O Mar Enrola na
Areia, o Arroz está crú, O Zé Aperta o Laço, ou a canção Oração
que nos foi representar no Festival da Eurovisão interpretada por
António Calvário e muito fado.
Nesse
tempo as grandes vozes vinham da França ou da Itália e lá se ouvia
Edith Piaf, Françoise Hardy, John Holiday, Charles Aznavour, Dalida,
Sylvie Vartan, Gigliola Cinquetti, Jane Morandi entre outros.
Foi
graças à Revista Musical Mundo da Canção de periodicidade mensal, e ao programa
radiofónico “Página Um” transmitido diariamente (excepto aos
domingos), na RR, e que ia para o ar ás 19,30h, que comecei a
despertar para outro panorama musical, que ainda hoje aprecio.
Avelino Tavares |
No
mês de Dezembro de 1969, aparece nas bancas uma nova revista com o
título MC ou seja as iniciais das palavras Mundo
da Canção,
tendo como seu fundador e editor Avelino Tavares, do Porto.
Francisco Fanhais |
A
ilustrar a capa do seu primeiro número, uma foto de Francisco
Fanhais, padre e cantor de intervenção política, hoje Presidente
do Núcleo de Lisboa da Associação José Afonso.
Ao
longo dos números da revista, vários cantores de intervenção
fizeram capa como: José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís
Cília, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Manuel Freire.
José Afonso |
Desde a
críticas discográficas e artigos de análise e de divulgação, os
leitores tiveram a oportunidade de contactar com os mais variados
autores, compositores e intérpretes da canção, tais como:
Portugueses
- José
Afonso, Luis Cília, Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira,
Manuel Alegre, Manuel Freire, Fausto, Filarmónica Fraude, José
Manuel Osório, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Vitorino, GAC,
Pedro Barroso, Samuel, José Jorge Letria, Fernando Tordo, Carlos
Mendes, Brigada Victor Jara, Almanaque, Vai de Roda, José Barata
Moura, Janita, Luisa Basto, Carlos Paredes, Paulo de Carvalho, Banda
do Casaco, Quarteto 1111, Trovante, Terra a Terra, Júlio Pereira, Né
Ladeiras, Michel Giacometti, Fernando Lopes Graça, Rui Veloso e
tantos, tantos outros da cena musical portuguesa.
Patxi Andion |
De Espanha -
Joan Manuel Serrat, Patxi Andion, Joaquin Diaz, Manolo Diaz, Paco
Ibañez, Aguaviva, Maria Ostiz, Maria del Mar Bonet, António
Portanet, Pi de La Serra, Amancio Prada, Fuxan os Ventos, Pablo
Quintana e outros de expressão hispânica.
Joan Manuel Serrat |
Do outro lado
do mar - Daniel Viglietti, Carlos Puebla, Mercedes Sosa, Astor
Piazzolla, Chico Buarque, Milton Nascimento, Sílvio Rodriguez, Pablo
Milanès, Violeta Parra, Soledad Bravo, Atahualpa Yupanqui, Gal
Costa, Gilberto Gil, Jorge Ben, Elis Regina, Caetano Veloso, Maria
Bethânia, Nara Leão, Zélia Barbosa, Egberto Gismonti, Hermeto
Pascoal, Ivan Lins, Maria Creuza e Vinicius de Moraes, entre muitos
outros da área de expressão latino-americana.
De França -
Jean Ferrat, Boris Vian, Juliette Grecco, Serge Reggiani, Georges
Brassens, Jacques Brel, Claude Nougaro, Georges Moustaki, Léo Ferré,
Colette Magny e Catherine Ribeiro, entre outros grandes nomes da
“chanson” e da música francesa.
Na vasta área
de expressão anglo-americana - Beatles, Rolling Stones, Elvis
Presley, Bee Gees, Donovan, Bob Dylan, Pete Seeger, Woody Guthrie,
Joan Baez, Phil Ochs, Doors, Leonard Cohen, Melanie, Simon &
Garfunkel, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jethro Tull, Van Der Graaf
Generator, Gentle Giant, Yes, Genesis, Tom Paxton, Judy Collins, Eric
Clapton, Elton John, Pink Floyd, Carole King, James Taylor, Cat
Stevens, Fairport Convention, Procol Harum, Van Morrison, Dire
Straits, Lou Reed, Joy Division, King Crimson, John Lennon e
Steppenwolf, entre muitos mais.
Como era um
revista que se dedicava à música, o Mundo da Canção nunca se
tinha submetido a qualquer tipo de censura ou exame prévio. Mas como
não há bem que sempre dure, em 1973 teve a sua edição N.º 34
apreendida, nas oficinas da Tipografia Aliança Lda., pela PIDE/DGS.
A partir
daquela altura, e até ao 25 de Abril de 1974, cada edição era
submetida ao exame prévio, com os respectivos cortes da censura ao
Mundo da Canção.
O
número em questão, do início de 1973, trazia na capa cinco álbuns
de música portuguesa recentemente editados: Até ao Pescoço, de
José Jorge Letria, Margem de Certa Maneira, de José Mário Branco,
Eu Vou Ser Como a Toupeira, de José Afonso, Palavras Ditas, do
declamador Mário Viegas, e Fala do Homem Nascido, com poemas de
António Gedeão, música de José Niza e interpretações de Carlos
Mendes, Duarte Mendes, Samuel e Tonicha.
Um
dos pides, que transportava as caixas com a revista em causa para a
carrinha, pediu ajuda ao Avelino Tavares editor da mesma.
Ao início disse-lhe que não colaborava, mas depois lá resolveu ajudar, mas só levava os exemplares até uma mesa. Eles é que transportavam as caixas para a rua. E, enquanto iam lá fora, ele aproveitava para pôr uns quantos exemplares na zona do papel velho e das aparas, por baixo de umas escadas.
Isto
só foi possível porque os pides saíam os dois ao mesmo tempo. De modo que ainda
conseguiu salvar muitos exemplares. Os exemplares deste nº 34 que
Avelino Tavares conseguiu salvar tiveram de ficar escondidos durante
mais de um ano. “Quando veio o 25 de Abril, foi colocado à venda
com uma cinta que dizia o seguinte:
“Este
número do MC viajou directamente da tipografia para os armazéns da
Ex – Pide / DGS, e aí passou 13 longos meses! Voltou a encontrar a
sua liberdade depois do 25 de Abril”...
Auto de fé da
PIDE onde se encontram exemplares do Mundo da Canção.
|
O
Mundo da Canção faz parte do meu património afectivo e cultural
que preservo todos os números da revista na estante das minhas
velharias sem preço.
Todo
o espólio do Mundo da Canção, foi doado à Biblioteca e Arquivo
Ephemera pertencente a José Pacheco Pereira, por Avelino Tavares.
Como neste mês de Dezembro de 2019, faz 50 anos que apareceu nas bancas o MC, não podia
deixar de lembrar esta revista musical, que a minha geração teve a
sorte de conhecer e ler.
Paulo de Carvalho |
Se
a nível de cultura musical esta revista teve a sua importância para
a minha pessoa, o programa radiofónico da Rádio Renascença, Página
1”, que se iniciou a 1 de Janeiro de 1968 e acabou na primavera de
1975, apurou-me o ouvido.
Na
altura que o comecei a escutar diariamente era seu locutor José
Manuel Nunes, Adelino Gomes nas reportagens, e a parte técnica
estava a cargo de José Manuel Moreno Pinto.
Foram os Pop Five que entregaram a versão feita apenas de bateria e baixo, do "Page One" que servia de indicativo do programa Página 1.
Os discos chegavam em 1ª mão ao Página 1 essencialmente devido à colaboração de Fernando Tenente, um entusiasta musical que vivia no Porto e trabalhava na Marconi. Além disso, como o programa era muito popular (não havia TV e a Rádio de final de tarde era muito ouvida), as editoras discográficas privilegiavam o programa.
Os discos chegavam em 1ª mão ao Página 1 essencialmente devido à colaboração de Fernando Tenente, um entusiasta musical que vivia no Porto e trabalhava na Marconi. Além disso, como o programa era muito popular (não havia TV e a Rádio de final de tarde era muito ouvida), as editoras discográficas privilegiavam o programa.
Muita
música de expressão anglo-saxónica e uma selecção de temas
rotularíamos hoje de “world music”.
Além disso, a música portuguesa de qualidade estava sempre muito presente. Foi o Página 1 quem lançou, por exemplo, Sérgio Godinho, José Mário Branco estes dois emigrados em França e Fausto.
Além disso, a música portuguesa de qualidade estava sempre muito presente. Foi o Página 1 quem lançou, por exemplo, Sérgio Godinho, José Mário Branco estes dois emigrados em França e Fausto.
Uma
das canções que passava frequentemente vinda da vizinha Espanha
era:
La
juventud tiene razón de Manolo Diaz
Manolo Diaz |
O Programa Página 1, recebeu um prémio de rádio pela Casa da Imprensa em 1971. A título excepcional, a mesma Casa da Imprensa atribuiu o prémio de Reportagem Radiofónica a Adelino Gomes em 1972. A cerimónia de entrega do prémio decorreu em espectáculo promovido no Coliseu dos Recreios apenas a 30 de Março de 1974.
Adelino Gomes |
Segundo o relatório da Polícia de Segurança Pública de Lisboa, a sala estava superlotada, predominando a juventude e elementos conhecidos do MDP/CDE (Movimento Democrático Português / Comissão Democrática Eleitoral) .
Na
ocasião, o jornalista Adelino Gomes, disse:
“tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito algumas coisas e por pretender dizer muitas outras coisas que vocês deviam saber”.
“tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito algumas coisas e por pretender dizer muitas outras coisas que vocês deviam saber”.
Não
sei por quê nem porque não, tudo isto desapareceu, dando lugar ao
pimbalismo nacional, que passa tanto nas rádios e invadiu as
televisões, em que o cantor geralmente faz-se acompanhar de um par
de bailarinas que saracoteiam as ancas e agitam os braços, enquanto
os jovens abanam o “capacete”, e repetem “Nós Pimba! Nós
Pimba!”.
Pensando
cá com os meus botões, talvez estas canções estejam mais
condizentes com o país real.
Se
tempos houveram que tínhamos músicas novas em tempos velhos, hoje
temos músicas velhas em tempos novos.
Fernando
Oliveira – Furriel de Junho
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